60 anos de resistência: Sociedade Kênia Clube de Joinville

Foto: Divulgação facebook do clube

“Zelar pelos interesses dos associados socorrendo-os em casos de moléstias, mortes, perseguições ou outras circunstâncias acidentais” e “elevar o padrão social e intelectual da gente de raça negra” é o que prevê o fragmento do Estatuto do clube considerado símbolo da resistência negra em Joinville e que desde 1960 contribui com a produção cultural e transformação social da cidade.”

A Sociedade Kênia Clube, com sede na rua Botafogo nº 255 bairro Floresta,  comemorou 60 anos de existência no dia 06 de setembro, uma iniciativa dos amigos Luiz Paulo do Rosário (Alegria), José Francisco Ramos (Zete), Rubens Martins, Marcelino Rocha, Luiz Fagundes (Zuca), José Carlos Nascimento (Begue), José Domingos Cardoso e Oziel Silva.

O principal intuito do clube era que os jovens negros da época tivessem um local de encontro e lazer. Seus fundadores em um ato de resistência contra o preconceito racial e de classe social, iniciam o que mais tarde tornar-se-ia ponto de referência da cultura negra na cidade. “Ele surge de uma reunião de amigos que sempre iam jogar bola e que formaram um time de maioria negra, ao qual deram o nome de Senegal. A partir daí começaram a conversar sobre como poderiam fazer essa recreação além do futebol, porque queriam bailes, música, atrações”, relata Luiz P. do Rosário.

Oito homens fizeram história, quando tomaram a iniciativa de lutar contra a segregação racial e o pensamento eugenista da época. Os clubes pertencentes à área central da cidade, nem sempre eram receptivos as pessoas negras e, segundo Luiz P. do Rosário, “Existia uma divisão entre brancos e negros e se quiséssemos entrar em um salão de baile não havia problema, mas podíamos apenas beber cerveja, dançar nem pensar.” Além das questões de raça, cor da pele e status socioeconômico, a classe operária era inferiorizada em sua cultura, lazer e educação. Os bairros não recebiam a mesma atenção que o centro, algo que ainda é perceptível na população e na gestão do município.

A impossibilidade de exercer sua própria cultura e gozar do pleno direito à cidadania e liberdade, fato que se deu por falta de consciência e fala de locais adequados nos bairros da zona sul, foi o pontapé inicial do que seria a Sociedade Kênia Clube. Em 1965 o Kênia passa a contar com sede própria na rua Botafogo, a construção até então de madeira, hoje dá lugar ao edifício de alvenaria que abriga muitos bailes, festas e eventos culturais.

Sempre a frente do seu tempo, contribuindo para o bem estar da comunidade, o clube abriu suas portas para aulas de alfabetização para adultos, assim como era o responsável pela primeira escola de samba de Joinville, a “Amigos do Kênia”, fundada em 1968 e que atualmente tem o nome de “Príncipes do Samba”.

Entre autos e baixos, são muitas as histórias da Sociedade Kenia Clube, um espaço cultural de extrema importância para a cidade de Joinville. Local que há 60 anos vem ampliando nossos olhares sobre a cultura negra e toda a dinâmica de nossos corpos, mentes e emoções. Um clube que nasce da resistência ao racismo e do desejo de alguns amigos, de construir um lugar de fala, expressão e identidade para fazer a diferença.

Parabéns, Kênia Clube.

Fontes de pesquisa

https://publicacao.uniasselvi.com.br/index.php/HID_EaD/article/view/1469

https://www.nsctotal.com.br/noticias/kenia-clube-um-lugar-de-resistencia-e-valorizacao-da-cultura-afro-em-joinville

O artista prestador de serviços num contexto pandêmico

Foto: Walmer Bittencourt Júnior.
Exposição: “A Partilha da Imagem” (2017). Artista: TiroTTi.

A revista Select publicou em 22/05/20 o artigo “O iminente colapso do setor cultural”, onde aponta que […] mais de 50% dos profissionais mapeados têm renda inferior a 3 salários mínimos, alto grau de informalidade e dependem majoritariamente das atividades exercidas no setor cultural para sobreviver.
Fato extremamente preocupante, pois após a publicação do artigo, quase três meses já se passaram e poucas foram as mudanças.

Os trabalhadores da cultura dependem quase que inteiramente da presença do público para garantir suas rendas e assim produzir seus shows, espetáculos, exposições e etc. Prestadores de serviços que têm as artes como profissão necessitam dos espaços culturais em pleno funcionamento para viver. Produtores Culturais, Artistas, Artesãos, Cenógrafos, Diretores, Atores, Músicos, Bailarinos, Coreógrafos, Arte-Educadores, entre tantos outros, fazem parte da enorme gama de profissionais afetados pela pandemia.

 Em um estado de normalidade, dificuldades como cortes de verbas, redução do quadro de funcionários, falta de manutenção dos espaços culturais e etc, já são por si só um enorme problema. Agora, além de enfrentarmos as adversidades habituais, a síndrome respiratória aguda, Covid -19 trouxe novos desafios que implicam diretamente no modo de produzir e apresentar cultura.

 Muitos artistas estão enfrentando a crise econômica do país empreendendo (obrigatoriamente) em novas áreas, e a aposta está quase sempre relacionada ao ramo alimentício, afinal, o confinamento deixou à população mais estressada e ansiosa, logo, a comida tornou-se moeda de troca para saber lidar com o momento. A informalidade da profissão faz com que o artista tenha pressa e se submeta a buscar novos postos de trabalho, pouco remunerados mas que garantem sua subsistência.  

A lei nº 14017 de 30 de junho de 2020, Lei Emergencial da Cultura Aldir Blanc, mesmo tardia e com recurso abaixo do esperado, vem como um sopro de vida para os trabalhadores, que aguardam ansiosamente pelo auxílio para poder retomar ou reorganizar seus projetos. Mas a quantia que provém do governo federal não garante a salvação da cultura, funcionando muito mais como medida paliativa do que como uma medida de proteção financeira que de fato protege e auxilia os artistas até a retomada de seus trabalhos.

Incerteza é a palavra da vez para quem precisa descobrir como recomeçar. Não há jeito certo ou errado, até agora o que temos são possibilidades. Tentativa e erro. Certamente muito do que conhecemos em matéria de eventos culturais que contam com a presença do público, deverá passar por um processo de readequação, com diversos protocolos e medidas protetivas que garantam a segurança de todos.

Os questionamentos que ficam são: como o artista está encarando essas novas condições de trabalho? De que forma acontecerá a relação da arte com o público em um contexto pós – pandemia? Será preciso repensar o conceito de aura na obra de arte? Ou então, como se dará a experiência estética do “ao vivo” se nossa segurança continuar dependendo do distanciamento social? As respostas dependem da ciência e do comportamento humano.

Arte para lidar com a vida

Passei os últimos dias pensando a respeito no que escrever e até ontem, não tinha ideia sobre o que. Penso que a dificuldade em si não estava em encontrar um assunto, mas sim em encontrar algo que valha à pena, que venha de dentro para fora, sabe?
Tantos assuntos sobre arte que antes me pareciam pertinentes, hoje não passam de mais um tema que pode esperar. Decidi então, dar ouvido aos sinais, prestar atenção no que acontece à minha volta, dia após dia, semana após semana. E o que isso tem a ver com arte? Pois bem, vamos lá!


O fato é que os últimos meses têm sido muito complicados, e essa virada de mês, em especial o dia 30/07/20, parecia ser só mais um dia (mas nunca é só mais um dia em nossas vidas, eis o maior erro de todos). Nesta data, recebo via redes sociais, a notícia da partida terrena de Heloísa Steffens, artista e também professora da Escola de Artes Fritz Alt, na Casa da Cultura Fausto Rocha Júnior.

Um choque. Grande perda.

Nos últimos dois meses a arte na cidade está mais triste. Muitas têm sido nossas perdas. No mês de junho a diretora artística do Instituto Internacional Juarez Machado, Melina Mosimann também nos deixou. Mulheres notáveis, que sempre foram fonte de inspiração para mim. Lutadoras, generosas e dispostas a tentar fazer do mundo um lugar melhor através da arte.

 Mas esse texto não é para falar sobre tristeza e o quanto o ano de 2020 tem testado as minhas forças e a de muitos que conheço. É um texto reflexivo, com o intuito de agradecer e tomar como exemplo de resiliência e fé, essas duas personalidades da arte joinvilense,.

Quem decide trabalhar com arte, aprende logo cedo que para conseguir viver dela é preciso resiliência e fé. Mesmo os que conseguem chegar a certos níveis de reconhecimento profissional, tem que estar sempre antenado, seja com o mercado, o público ou até mesmo com as catástrofes do momento, afinal, desgraça vende.

Mesmo assim, com arte, conseguimos viver a incerteza do dia a dia, do trabalho ou da falta dele, da descrença que a sociedade tem na profissão Artista, sempre com um sorriso no rosto. O sorriso não significa que sejamos alienados ou que nos falte entendimento sobre os problemas do mundo, ao contrário, às vezes somos quem melhor enxerga-os.

Falar da tristeza com beleza e ternura é nossa especialidade. Emocionar e ao mesmo tempo acalentar a alma do público? Tarefa para poucos! Transmitir por meio de versos, danças e acordes, ou sorriso a alegria de viver, é ser apaixonado pela vida com todos os seus percalços sem nunca desistir de acreditar.

Tenho certeza que a passagem intensa pela vida e em meio à arte, eternizou Heloísa e Melina em nossos corações, e como dizia o poeta Manoel de Barros Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.”

Qual a importância da arte em meio ao caos social?

*Foto de capa: Exposição Raiz Ai Wei Wei (MON 2019)

Leitorxs, quero abrir esse diálogo com um fragmento do livro de Hans Ulrich Obrist, que diz mais ou menos assim: “Qual a importância da liberdade pessoal e a responsabilidade do artista em um país em que a liberdade é ameaçada?

Que sentimento de liberdade é esse, que encontra na atualidade tal segurança e anestesia, a ponto de manter artistas que continuam a produzir em suas telas, flores e frutas frescas, enquanto o seu país é contaminado por pensamentos e atitudes elitistas, e a impunidade impera no lugar da justiça?

O fragmento de texto de Obrist, que faz parte da sinopse do livro Ai Weiwei, entrevistado por Hans Ulrich Obrist, me instiga a refletir sobre: qual a real importância do artista no mundo contemporâneo? Quem precisa de arte quando na contemporaneidade existem diferentes maneiras de passar o tempo?

Ou ainda, por que a arte deve existir em um mundo onde a miséria, catástrofes ambientais, doenças incuráveis, guerras e a fome, persistem em serem protagonistas sociais?

Segundo o educador Rubem Alves (1933-2014), em seu livro A educação dos Sentidos, publicado em 2018 “Um homem faminto não é capaz de fazer distinções sutis entre gostos refinados: angu ou lagosta, tudo é a mesma coisa. Seu corpo vive sob o imperativo bruto do comer. Assim são os sentidos dos animais. Tem apenas uma função prática. São “meios” de vida”.

Para que a arte faça sentido, é preciso que esse “ser” faminto, tenha suas necessidades básicas supridas e assim, consiga garantir sua própria existência. Sem direito à vida, saúde, educação e moradia, é possível que não aja sujeito que por si só, tenha interesse pela arte. A arte está erroneamente associada ao poder aquisitivo de uma minoria privilegiada.

E se a arte atende somente a uma minoria privilegiada, retomo meu questionamento: por que ela deve existir em um mundo onde a miséria, catástrofes ambientais, doenças, guerras e a fome, persistem em serem protagonistas sociais?

A resposta é relativamente simples: ela existe para que possamos lutar e denunciar o que há de errado no bairro, cidade, país ou no mundo em que vivemos. Por meio dela, chamar a atenção dos que ainda não sentem-se tocados pelos problemas da humanidade.

É isso que artistas como Eugène Delacroix, Pablo Picasso, Cândido Portinari, Christo, Basky, Ai Weiwei e tantos outros, fizeram e ainda fazem a seus modos e por meio de suas artes. Despertar no outro, sentimentos de indignação, insatisfação, descontentamento e o mais importante, a atitude para mudança.
Finalizo, mas não concluo, com as palavras do mestre da arte contemporânea engajada, “Se os artistas traem a consciência social e os princípios básicos do ser humano, qual é então o lugar da arte? (Ai Weiwei, 2008)*

*Livro: Ai Weiwei Entrevistado por Hans Ulrich Obrist. .

Cultura, arte e formação de público na pandemia

Antigamente, a frase era “Quem não se comunica, se trombica”, na última década e principalmente no ano de 2020, a frase que poderá definir o ano é “Quem não tá na rede, se trombica”. Você que assim como eu, só fazia uso de Facebook, WhatsApp e aplicativos como o da Uber, deve estar tentando digerir essa quantidade de informações e dados que é o universo digital.

Twitter, Instagram, Google Meet, Zoom e até o queridinho da galera, Ifood, são ferramentas que na correria do dia a dia, se quer tive interesse de aprender. Mas hoje posso dizer, no pretérito, que FUI do tipo que usava o telefone para pedir uma pizza e demorava horas para pagar minhas contas, indo pessoalmente até o banco ou lotérica.

Que surpresa a minha, perceber que em meio a uma pandemia, aos poucos eu notava surgir nas redes sociais, uma onda de cursos, conversas, palestras, oficinas, vídeo conferências, e tantos outros formatos de diálogos que contribuíam para a propagação do conhecimento na internet. Principalmente as lives, (velhas conhecidas dos hiperconectados) se popularizavam ainda mais, possibilitando o acesso a conhecimentos nas mais diversas áreas.

Os cursos podem preencher aquele tempo ocioso da quarentena e dar aquela melhorada básica no currículo, ou garantir um certificado a mais quando retomarmos nossas funções.  A rede também possibilitou a criação de outros métodos de trabalho, como o uso das plataformas virtuais que permitem o acesso em vídeo, para alcançar públicos ainda maiores do que os de salas ou auditórios convencionais comportariam. Agora, sem sair de casa, é possível ouvir e participar de reuniões que vão de economia, política, saúde, bem estar e claro, nossos objetos de pesquisa e produção de conteúdo: Cultura e Arte.

Só no último mês, participei de mais palestras, minicursos, bate papos e tantas outras configurações de partilha do conhecimento, do que toda a minha saga pelos cursos de formação continuada, no ano de 2019. Nós, educadores e educadoras, precisamos estar sempre em formação, agregando certificados e diplomas aos nossos currículos. Percebam a ampla possibilidade de garimpar – sim eu disse garimpar – bons cursos ou palestras na modalidade online.

Como exemplo, nesse garimpo, consegui participar de uma conversa online com o professor, crítico de arte, pesquisador e curador Teixeira Coelho, e de um minicurso sobre Arte Contemporânea na Infância, com a professora, escritora e pós-doutora, Susana Rangel Vieira Cunha Rangel.


O que quero dizer a vocês leitores, é que a pandemia com todos os seus males, nos deu a chance – ou ao menos a boa parte de nós – de sermos mais cultos, de aprendermos novas ferramentas de trabalho e nos reinventarmos. Mostrou que a tecnologia e as redes sociais, antes motivo de questionamentos e reflexões por ser algo que poderia nos afastar do contato humano, fato nas reuniões de família ou encontro com amigos, tornou-se por necessidade, o recurso das potencialidades.

Explorar a tecnologia virtual e seu alcance não é negar a existência de um passado de valor, é abrir-se para o novo, expandir e seguir trilhando um caminho produtivo, que pode e deve conversar com todas as idades, atingir diferentes países, culturas e crenças. É pensar, produzir e acessar conhecimentos na ponta dos dedos e na palma das mãos. Transformar longa, em pequenas distâncias.

Espero que os bons minicursos à distância se mantenham, e que continuem financeiramente acessíveis, contribuindo com o aprendizado daqueles que podem mas também daqueles que não podem desembolsar muitos recursos. Caminhamos cada vez mais para o futuro. Qualidade é essencial, abrir as portas das universidades e lançar projetos que online dialoguem com o público é prezar pela educação e transformação social e cultural de um país que precisa desesperadamente desenvolver seu senso crítico, afinal, como diria Albert Eistein “A mente que se abre a uma nova ideia, jamais voltará ao seu tamanho original”.

O encontro da arte com a educação

Com curadoria pedagógica do Museu Bispo do Rosário (RJ) a mostra “O Grande Veleiro”, que está em exposição no Sesc Joinville até 27 de março, surpreende ao reorganizar a dinâmica das curadorias tradicionais, evidenciando o educativo que quase sempre, aparece em segundo plano no sistema da arte. Neste projeto a aposta está nos recursos pedagógicos, que recebem a condição de obras de arte, legitimadas pelo espaço expositivo.

É na experiência e interação do público, que o projeto curatorial faz todo sentido, sugerindo por meio de vídeos, imagens e objetos, novas conexões com a biografia e o trabalho do artista. Em destaque estão os jogos educativos como “A caixa dos escolhidos”, bordados e objetos propositalmente posicionados, que contribuem para a criação da atmosfera que nos aproxima do universo de Arthur Bispo do Rosário.

Intenção da curadoria ou não, as discussões presentes na mostra estão mais relacionadas a biografia do artista e a um conjunto de obras, do que aos conteúdos conceituais relacionados à elas. Mas “O Grande Veleiro” merece destaque pelas soluções interativas e convidativas que atraem leigos e iniciados, organizando um espaço democrático em que não é preciso ter conhecimentos prévios para poder aproveitar e aprender sobre arte, o mais importante é sentir e desfrutar da sua proximidade com a vida.

Bruna Morsch lança livro e fala sobre vida, literatura e atitude

A escritora Bruna Sofia Morsch lançou o livro Van Ella Citron na sexta-feira, 20 de julho, com sessão de autógrafos e conversa com os leitores nas Livrarias Curitiba do Shopping Mueller. Publicado pela editora Micronotas, o romance trata da transformação dupla na vida da personagem que lhe dá o título: de universitária a garota de programa em Metrópolys, de iniciante a maior heorína entre as mulheres da Ilha das Viúvas, Van Ella luta para não ser enquadrada em um perfil único. A história propõe reflexões sobre a busca por status, sobre reconhecimento, sobre cultura machista e sobre feminilidade.

Bruna Sofia Morsch é escritora de contos, poesia e romance. É professora e psicóloga, pós-graduada em Psicanálise. Van Ella Citron é seu romance de estreia e foi apontado como um dos dez melhores livros de 2017 em uma lista de novidades e lançamentos de pequenas editoras elaborada pela equipe e pelos críticos do site São Paulo Review. A autora conversou sobre a vida e sobre a literatura com o ARTE NA CUCA algumas horas antes do lançamento.

Fale um pouco sobre o significado de Van Ella Citron para a sua trajetória artística e pessoal.

Minha trajetória artística começou por influência da minha mãe, que sempre esteve envolvida com a arte. Eu sempre gostei de desenhar como um hobby, nunca havia pensado em encarar isso como profissão. Foi na adolescência, durante meu processo de transição e confusões em relação à minha sexualidade que comecei a escrever. Dessa escrita surgiram dois romances que não prosperaram, pois acabei me cansando deles. O ingresso no curso de Psicologia caiu como uma luva e foi muito interessante conhecer a diversidade das pessoas. No final da faculdade saí da minha primeira profissão, passei por um momento bastante confuso relacionado a questões familiares e à minha própria identidade de gênero, num processo de descoberta. Estava muito confusa, mas sabia que precisava me formar e abrir minha clínica. No meio disso tudo, decidi voltar a escrever, mas a ideia era partir para as crônicas, dando início à Ilha das Viúvas, lugar que a Van Ella mora e que nasceu de um blog. O projeto de transformar as crônicas em livro deu-se no início do meu processo de transição e, no meio do livro, já com o nome de Bruna, percebi que a personagem falava muito de mim, muitos dos conflitos da personagem vêm da minha subjetividade e me concretizavam enquanto mulher e enquanto escritora.

Quais foram as referências ou inspirações para o seu livro? Em que medida ele é autobiográfico?

As pessoas pensam que todas nós, mulheres transexuais, somos ou já fomos prostitutas. Não vejo nenhum problema nisso, mas eu não chego para um sujeito e pergunto “ah, você é médico, né?”. O preconceito está intrínseco. Penso que o livro é autobiográfico quando ele traz referências da minha personalidade de uma maneira fantasiosa, maquiada, leve mas glamorosa, porque viver na pele o que a Van Ella vive é muito difícil. Quando penso na questão estética do livro, as inspirações são referências cinematográficas, principalmente os filmes de Quentin Tarantino e os quadrinhos Sin City além, claro, da psicanálise.

O abandono de uma vida considerada perfeita, o choque da realidade das ruas, o trabalho como prostituta…Como esses temas afetam Bruna Sofia Morsch?

Muitas pessoas ficaram chocadas com o início do livro porque a personagem abandona tudo para levar uma vida muito diferente em um ambiente de crimes e de prostituição. Não conseguem compreender os motivos para ela fazer isso. Com Van Ella Citron tento trazer para o livro o caminho inverso dessa visão de mundo capitalista, da busca pelo status perfeito e de que temos que ser sempre bem sucedidos em todas as áreas da vida. Eu não fiz essa saída para o campo da prostituição para me resolver, mas me afeta justamente quando penso quais são os preços que pagamos pelas nossas decisões. Muitos pensam que estou num lugar maravilhoso por ter uma família que me apoia e por ter meu emprego, mas a invisibilidade relacionada às mulheres está em todos os lugares, mesmo em uma simples conversa. O discurso machista está presente em qualquer boca.

Sua personagem se constrói como mulher num sentido contemporâneo, mas também está presa a angústias e questões mal resolvidas de uma vida privilegiada. Para você, o que é ser mulher?

Penso que essa passagem da menina para tornar-se mulher não se trata de uma questão cronológica, de estar muito bem elaborada com a menina que se foi, com a mãe que se tem e com esse afastamento da figura da mãe. É quando passamos a nos reconhecer além daquele lugar que nos faz filha de alguém. Ser mulher é entrar em contato com a sua feminilidade e ter de se haver com o fato de que a mulher é um sujeito castrado. É alguém que entra em contato com seu próprio saber e se aventura sem medo do diferente, daquilo que não sabe.

Van Ella Citron se transforma numa espécie de justiceira contra a máfia e o governo sem medir consequências. Como essa transformação radical auxilia a descoberta do “eu” interior e psicológico da personagem?

Algumas pessoas que me apoiam no projeto e que também leram o livro falaram que a personagem Van Ella é um diamante com várias facetas e que age conforme a luz bate nela. Outras falam que se trata de um sujeito que ainda não está constituído, sendo assim uma dúvida. Também acho que nesse primeiro livro ela é muito introdutória e está se descobrindo, vivendo um período de transição que é a passagem da adolescência para a vida adulta, todos os problemas e descobertas que essa mudança traz como a impulsividade do não saber viver e o que fazer com isso. Mas ela acaba fazendo algo grandioso, que talvez tenha um preço.

As revelações finais sobre a identidade da personagem nos faz pensar sobre inclusão e representatividade do público LGBTQ+ na cena literária. Como você analisa esta questão?

Já tive muita cobrança social para estar sempre militando e falando sobre ser uma mulher transexual, mas não quero que a transexualidade apareça antes do meu nome ou de quem sou como pessoa. Isso é algo que acontece muito com quem levanta bandeiras: acaba apagando o sujeito. Acredito que o fato de estar lançando um livro e estar circulando em outras profissões, transitando de uma forma diferente do que se espera de uma mulher trans já é o suficiente. Não preciso militar ainda mais do que aquilo que já estou fazendo espontaneamente. Quero alcançar leitores além da bandeira LGBTQ+. Um dos meus objetivos com esse livro é minimizar a transexualidade enquanto algo gritante para a sociedade. Acho que esse discurso do “me engulam” e essa gritaria do “me aceitem” são efetivos para conquistar direitos, mas completamente fracassados para fazer relações de conversas e travessias de encontros entre sujeitos. Penso que a militância vem das questões da relação com o judiciário, não com as relações de amor.

ANC entrevista: Denise Torrens Nunes

Foto por: Walmer Bittencourt Junior

Dedicada, determinada, mulher, mãe, esposa, artista, arteterapeuta e arte-educadora, Denise Torrens Nunes é tudo isso e muito mais. É alguém que sabe o que quer e corre atrás dos seus objetivos. Na entrevista que concedeu ao ANC falou sobre carreira, seu ateliê novinho em folha e principalmente sobre a descoberta de uma paixão: A arteterapia.

ANC: Como iniciou seu primeiro contato com as artes?

DENISE: A história é bem longa…(risos). Foi a partir das aulas da Casa da Cultura “Fausto Rocha Júnior”, quando resolvi fazer o  curso de cerâmica, paixão a primeira vista. Fiz o curso regular de três anos as aulas de cerâmica na modalidade ateliê, além de outros cursos, como o de porcelana, desenho, pintura, história da arte e tecelagem. Inclusive participei de um grupo de estudos em história da arte.

Vida que segue, trabalhei por muito tempo com a confecção de lembrancinhas para todos os tipos de ocasiões. Mas sempre envolvida com arte, montei um ateliê de festas, trabalhava com festas temáticas e lembrancinhas mas a coisa chegou a tal ponto que no final já fazia a festa completa, decoração, montagem, lembrancinhas e alimentação. Isso aconteceu até o momento em que falei para mim mesma que queria voltar a estudar e fazer curso de arte. O primeiro filho já estava criado e eu tinha mais tempo para mim, o ano era 1998.  Como eu já tinha a graduação em história, não precisaria fazer vestibular para iniciar um novo curso, naquele ano a FURJ estava mudando para UNIVILLE. Nessa empolgação toda, descobri que estava grávida do meu segundo filho, então dei mais um tempo, não era o momento certo.

Meu segundo filho nasceu prematuro e tivemos algumas complicações, meu bebê precisava de mim, da minha energia e presença, não consegui me dedicar as artes durante esse período e fiquei seis meses vivendo a experiência de ser mãe. Depois disso, tomei coragem para seguir outro rumo, uma fase de mudanças. Vendi todo o meu estoque de material para trabalhar com festas e terminado todo esse processo que foi cuidar do meu filho e de mim mesma, novamente coloquei em minha cabeça que eu queria me envolver ainda mais com arte, até que surgiu um curso de designer de interiores em Joinville – fui fazer o curso, me formei e trabalhei muitos anos na profissão, mas ainda não era a arte que eu tanto buscava.  

Mesmo trabalhando na área de design, não abandonei a cerâmica, sou associada da AAPLAJ (Associação dos Artistas Plásticos de Joinville) e participo do NAF (Núcleo Arte do Fogo), que é um grupo de ceramistas que se reune uma vez por semana e trabalha a argila, cada qual com sua poética, dentro de sua perpectiva artística, mas com trocas de experiências e muito empenho em prol da arte. Depois de todo esse tortuoso caminho, finalmente fiz artes visuais, emendei uma especialização em arteterapia, que me rendeu uma nova carreira profissional. Hoje posso dizer que estou realizada,  estou trabalhando em meu ateliê com cerâmica, tecelagem e ministrando aulas e ainda sessões de arteterapia.

 

ANC: O que te motivou a pesquisar e  a buscar formação em arteterapia? Nos conte um pouco mais a respeito.

DENISE: Acredito que  a arte faz parte da vida de todos nós. Vi na arteterapia  a junção de várias motivos para usar da arte como meio de transformação. O arteterapeuta trabalha com algo muito importante, o poder de criar.  Se baseia em várias formas de expressão artística com finalidade terapêutica .Sempre tive curiosidade sobre como a arte pode ajudar no autoconhecimento de cada pessoa.  A expressão artística pode revelar sentimentos e emoções muito profundos, pode ser aplicada a todos os públicos, de crianças a idosos. Meus público alvo no momento é justamente o idoso institucionalizado.  Após terminar o estágio da especialização, que fiz em um lar de idosos fui contratada para atuar junto a esse público. Num primeiro momento trabalhava apenas como arte educadora (pois ainda não estava formada) e agora já atuando  como profissional arteterapeuta. Confesso que estou me realizando, juntei minha paixão antiga com uma nova. Ser arteterapeuta é cuidar terapeuticamente por meio da arte.

É muito importante perceber como se pode fazer a diferença, principalmnete quando se trabalha com um público carente de atenção e afeto, que muitas vezes se considera a margem do convívio social e familiar. Foi um começo difícil, entre os idosos existia um certo preconceito,  ouve-se muitos comentários que desenhar e pintar é “coisa de criancinha” Mas com muita paciência e dedicação os resultados aparecem, cria-se um elo de confiança entre arteterapeuta e atendido que faz a diferença para o processo caminhar.

ANC: Com a finalização da especialização e do seu projeto de estágio, os grupos que você acompanha/atende  continua o mesmo?

DENISE: Tenho dois focos de atuação, um deles é no meu ateliê, onde atendo todo e qualquer público, trabalho com aulas de cerâmica, tecelagem e agora já formada e regulamentada como arteterapeuta, posso associar as aulas que mencionei com a arteterapia em ambiente de ateliê, pois ambas são modalidades muito expressivas e altamente terapêuticas, como também trabalhar somente com a arteterapia ,assim como outras formas de expressão artística. Cada atendido é único e ele define por qual processo quer passar, mas todas as pessoas que iniciam nas sessões de arteterapia preferem ficar trabalhando dentro desse contexto terapêutico no ateliê. Mas é livre e negociável, como fica melhor para cada pessoa.

 O segundo foco de atuação é no lar de idosos onde trabalho três vezes por semana. Atendo os idosos que já participavam do estágio bem como todos os outros, pois muitos são acamados e eu faço uma adaptação para fazer acontecer o processo arteterapêutico igualmente a todos.  Quando se trabalha com idosos tudo deve ser adaptado , desde o usos de materiais até a sessão propriamente dita. A participação é voluntária, hoje quando chego no lar para trabalhar não preciso mais passar de quarto em quarto para solicitar a participação dos idosos, normalmente já estão esperando  em uma ansiedade visível ,para fazer aula de artes, como eles gostam de falar. As atividades são dinâmicas e quase sempre bem aceitas, não gostam de alguns tipos de materias, como a argila, que eu particularmente como ceramista, gostaria muito de trabalhar, mas não funciona e quando quero trabalhar com modelagem, uso outros tipos de massa, é assim que se faz as adaptações, massa de sal, massa de trigo para fazer bolachinhas são ótimas para explorar aspectos do inconsciente, trazendo a tona um conteúdo que está muito bem guardado, é um conteúdo sombrio  nem bom nem ruim, que pode e deve ser resignificado em uma nova roupagem, promovendo a cura interior de cada um.

As linguagens mais aceitas por eles são desenho, pintura, recorte colagem e culinária, todos gostam muito.   O grupo as vezes sofre perdas, sempre estou competindo com indisposições, consultas médicas, visitas inesperadas entre outros fatores. Mas a participação é sempre voluntária, só assim com boa vontade que se consegue chegar  aos conteúdos que o insconciente reserva. Também fazemos passeios com os internos, todos os que tem condições de sair são convidados, é quase uma aventura em meio a cadeiras de rodas e andadores, mas uma experiência muito significativa para todos. Visitamos recentemente a exposição em que eu participei na AAPLAJ (“Memória de moças bem-comportadas” – 2018).

Na sua grande maioria os idosos nunca foram a uma exposição, ao cinema, ou ver o mar, ou mais simples ainda alguns deles nunca tinham usado lapis de cor, giz de cera – nem conheciam. Foram apresentados no momento do meu estágio. Eu uso muito material reciclado, eles ficam admirados quando eu falo que vamos pintar com pincel diferente, um pincel feito por eles, é muito especial, pois cada um consegue acreditar no seu potencial, dentro do seu contexto, e eu na função de arteterapeuta apoiando essa descoberta. Émuito gratificante apresentar algo tão novo, tão simples, a quem acredita ter poucas perspectivas.  Eu aprendo muito com eles, sempre comento com o grupo.

ANC: Logo na primeira pergunta você menciona que passou por diversas ocupações e trabalhou em áreas afins, com seu trabalho como arteterapeuta podemos dizer que finalmente a Denise se “encontrou” em uma profissão?

DENISE: Ah, com certeza! Eu penso que minha relação com a arteterapia já vem de muito tempo, pois quando fazia cerâmica desde os primórdios  do meu caminho como ceramista, já tinha esse contato mais íntimo e sempre me fez muito bem trabalhar o barro que é extremamente terapêutico. A argila por si só, já é um material fantástico, vivo, respeito muito esse material,  em que você consegue trabalhar até certo ponto, depois ele (o barro) diz: Chega! Agora sou eu. E então você não consegue mais fazer somente o que quer, respeitar o tempo da argila, ter paciência para que o processo aconteça. É assim na arteterapia também.

ANC: Como é essa sua relação com o barro?

DENISE: Respeito a vontade do barro. Trabalho em uma peça até certo ponto e quando vejo que está no limite, paro de mexer . Um exemplo fácil para que compreendam minha relação com esse material, é quando abro meu forno e percebo peças que estão trincadas. Não gosto de consertar,  de arrumar, aceito o que o barro e o forno me apresentam, o que o universo me entregou. As vezes chego no ateliê, vejo que algo não ficou bom, simplesmente jogo no chão e quebro e então vai virar outra coisa. Não sofro por algo que a princípio não deu certo da maneira que eu esperava. É um processo de carinho, doação e interação – “amor e ódio”.

Foto por: Walmer Bittencourt Junior

ANC: Sobre seu ateliê, você iniciou fazendo atendimento terapêutico ou ministrando aulas de arte como estamos acostumados a vivenciar?

DENISE: Comecei somente ministrando aulas de cerâmica e tecelagem, que ainda acontecem, porém com o interesse maior na arteterapia, pois ainda estava cursando a especialização, então não tinha licença para aplicar as práticas terapêuticas, e eu ainda estava aprendendo como dar um suporte emocional a pessoa que busca uma sessão. Sempre fui e continuo muito ética. É preciso trabalhar de maneira muito consciente e cuidadosa, zelosa por todo o conteúdo que o atendido confia ao arteterapeuta,  pois muitos conflitos vem à tona. Conteúdo não verbalizados e expressos nos desenhos, nas pinturas, e em todo o tipo de material que disponibilizo. Falar não é necessário, pois muitas vezes verbalizar é muito difícil, um processo sofrido. Agora sim, certificada o espaço está aberto para o atendimento voltado ao lado terapêutico.

 

ANC: O que  podemos encontrar no seu ateliê?

DENISE: Encontrará um ambiente seguro, agradável  e com acessibilidade. As vezes não se sabe o que quer, mas na arteterapia somos livres para experienciar, livre  da estética, não existe feio ou bonito no contexto arteterapêutico. Toda expressão plástica é carregada de símbolos e esses símbolos após resinificados, o atendido tem condições de encontrar seu norte, seu equilíbrio.  Eu também possibilito experiências em tecelagem e argila, como aulas…mas tudo depende da necessidade e do que o atendido deseja. O meu objetivo é trabalhar o processo terapêutico rumo ao autoconhecimento, ao prazer de viver e de se cuidar terapeuticamente.

ANC: E as aulas dedicadas apenas ao ensino das práticas artísticas?

DENISE: Atendo em horários diferentes para cada situação. As aulas e as sessões podem ser em grupo ou indivdual, tanto a arteterapia quanto as aulas que visam apenas o ensino de alguma modalidade artística.

ANC: Como acontecem essas sessões? O aluno participa de aulas experimentais?

DENISE: A pessoa pode fazer uma aula ou uma sessão experimental, ou as duas situações.

ANC: Você também recebe crianças para sessões de arteterapia?

DENISE: Sim. Trabalho com todos os públicos.  O lúdico é muito explorado, a criança não tem preconceito, gosta de todos os materiais, lógico salvo em situações específicas de doenças  ou qualquer outra advesidade, mas tudo sempre pode ser – e é adaptado.

ANC: E quanto ao investimento e materiais?

DENISE: Vai depender do que a pessoa  procura e quer. Cada situação tem um valor, aulas de tecelagem tem um valor de mensalidade e taxa de material, a pessoa não precisa trazer nenhum material, tudo está a disposição no ateliê. Já a cerâmica tem igualmente um valor de mensalidade e a pessoa fica livre, pode comprar a argila e outros materiais no ateliê, e usar suas ferramentas, como pode usar as ferramentas que são disponibilizadas, queimas são cobradas separadamente. Trabalho com pacotes específicos para cada situação.

Foto por: Walmer Bittencourt Junior

ANC: Quantas pessoas  é possível atender no ateliê atualmente?

DENISE: Posso atender grupos de 05 pessoas por sessão/aula, em todas as modalidades.  Além de ministrar aulas individuais se for da vontade do cliente.

ANC: E quanto aos horários das aulas e das sessões?

DENISE: As aulas  acontecem segundas das 08:30 as 11:30 e as terças das 08:45 as 11:45 hs. Para tecelagem e cerâmica respectivamente.  Para atendimento em arteterapia é agendado previamente. Porém os horários podem sofrer alteração conforme a necessidade.

ANC: Queremos saber um pouco mais da Denise artista, como está esse seu outro lado?

DENISE: Fiz minha primeira exposição individual em 2012, na AAPLAJ, participando do projeto “Lançamentos”, na época coordenado pela artista Linda Pool e que contou com a curadoria de Miriam da Rocha. Participo ativamente da associação, faço parte do NAF – Núcleo Arte do Fogo da AAPLAJ, que se encontra semanalmente, cada artista produz dentro de sua poética, mas as trocas de experiências entre as ceramistas são constantes. Uma vez por ano temos a exposição do grupo, nesse ano será em novembro, já comecei as pesquisas para essa exposição, atualmente sou a cordenadora do NAF na gestão 2018/2020.

Já na tecelagem desenvolvo tecidos com a interferência de materiais que podem conversar entre si, fios, lã, barbantes, e tudo a mais que pode servir para tecer.  Minha produção vai de carteiras de mão, bolsas, passando por vestuário, entre mantas, echarpe, chalés,são todas peças exclusivas. Mas no momento meu coração bate mais forte com e pela arteterapia. Porém, não consigo ficar longe da cerâmica e da tecelagem, sou muito inquieta, sempre procuro produzir mesmo que peças pequenas, é uma necessidade, funciona como minha terapia e me fortalece. Atualmente como artista, estou participando das exposições coletivas que acontecem na AAPLAJ em destaque a mostra que está sendo exibida no galpão da associação, a exposição “Proibido para menores de 18 anos – Favor não insistir. ”

ANC: Seu trabalho é sempre figurativo ou tem peças que seguem para a linha do abstrato?

DENISE: Depende muito do momento, mas minhas peças não são obras de grande porte, produzo peças em cerâmica de porte médio a pequeno,  não é um trabalho robusto, é mais rústico que delicado, mas gosto de interferir com materias diferentes e inusitados. Não existe peça com defeito, sim com efeito, me desafio cada vez que uma peça sai do forno com uma trinca ou uma esmaltação que não saiu como o previsto. É sempre uma surpresa abrir o forno e se defrontar com o resultado. Já tive muitas fases,  mas meu fio condutor é único, me vejo nas minhas peças, mesmo quando trabalho uma encomenda.

ANC: Para finalizar nossa entrevista queremos saber sua opinião sobre o espaço que a cerâmica e os ceramistas tem dentro das instituições de arte da cidade? (Vale locais alternativos).

DENISE: É ainda muito difícil. A cerâmica é uma arte que requer muitos cuidados na hora de produzir, pois o processo é longo, as peças demoram  para ficarem prontas. Além do que podemos perder todo o trabalho a qualquer momento, passar por duas ou mais queimas a altas temperaturas. Na hora de expor, também requer cuidados.  São peças sensíveis, existe uma preocupação em relação ao suporte, e onde serão expostas. E por fim existe ainda um preconceito em relação ao material, as pessoas desconhecem o valor da argila, desvalorizando a obra de arte feita de barro.  Os espaço são ainda escassos e muitos não apoiam a cerâmica como arte e sim apenas como artesanato, inviabilizando a exposição das obras.

ANC entrevista: Rosi Costa

Rosi Costa é artista visual muito atuante no circuito artístico de Joinville. Além de produzir seus trabalhos e desempenhar o papel de esposa e mãe, encontra tempo para exercer a profissão de professora de arte em seu ateliê. Em suas aulas, Rosi não ensina somente a técnica, mas busca criar relações de amizade com seus alunos e por meio da arte estabelecer conexões que promovam a busca pelo autoconhecimento.
O ANC esteve no ateliê da artista e bateu um papo bem interessante sobre processo de criação, pesquisa e fazer artístico, além de dar uma espiadinha no que ela anda produzindo para novas exposições. O resultado você confere a seguir.

ANC: Você possui formação acadêmica em arte?
ROSI: Minha primeira formação foi em pedagogia, quando já lecionava, decidi fazer o curso superior em artes visuais, mas antes disso já havia feito aulas na Casa da Cultura Fausto Rocha Júnior e por último fiz pós-graduação em arte-educação. Mas acredito que meu trabalho como artista se dá não apenas pela minha formação acadêmica e sim pelo fato de que estou sempre buscando, me aperfeiçoando e me questionando sobre meu próprio fazer artístico.

ANC: Como foi seu primeiro contato com as artes?
ROSI: Quando comecei, foi através da pintura. No princípio não tinha nenhum objetivo, foi mais por hobby, pensei que eu nem tinha talento para tal atividade, mas à medida que ia produzindo, comecei a gostar e descobri na pintura uma verdadeira paixão.
Depois dos primeiros anos me dedicando a pintura, comecei a refletir e descobri que o que sabia era pouco e fui buscar mais conhecimento sobre o assunto, iniciando um curso de pintura na casa da cultura, onde aprendi muitas técnicas, porém, o que mais me interessava nas aulas da casa da cultura era me libertar do estilo acadêmico pois minha primeira professora ensinava muito o acadêmico.
Mesmo gostando muito do curso da casa da cultura, que me ajudou a ampliar meu jeito de pintar e me expressar, sentia que ainda não era o suficiente e que algo faltava dentro de mim. Fui pesquisando, me aperfeiçoando e buscando interagir mais com outros artistas, com o objetivo de encontrar um determinado rumo e o encontrei a partir do símbolo da bolsa (bolsa feminina) e tudo o que ela representa para mim.

ANC: Aproveitando seu comentário, conta pra nós qual sua relação com a bolsa?
ROSI: Tudo teve início a partir do meu contato com as alunas do meu ateliê e nossas trocas a respeito da mulher e seu lugar na sociedade. Comecei a perceber que esse era um tema que me deixava inquieta, principalmente sobre os sofrimentos internos, o que cada uma delas acaba passando sozinha, coisas que as pessoas não entendem e que a própria mulher tem dificuldades em resolver. Quando comecei a pesquisar o tema mais a fundo, li que o objeto bolsa, para a mulher é como se fosse uma extensão de seu próprio corpo, pois carregamos tudo o que julgamos ser necessário, é um porto seguro.
Nós mulheres, carregamos a menina que fomos, a jovem os nossos sentimentos, nossos sonhos as nossas saudades, decepções e etc… Então a bolsa para mim não é somente um objeto ou um acessório comum e sim o arquétipo do meu interior.

ANC: Você já realizou alguma exposição que discutisse apenas a relação da mulher com a bolsa?
ROSI: Ainda não fiz nenhuma do jeito que eu queria. Comecei a pensar em algo apenas sobre as bolsas e que contaria com obras interativas, oficinas e até cheguei a escrever um projeto para ocupar os dois espaços expositivos da Associação dos Artistas Plásticos de Joinville, encaminhei com o intuito de realiza-la em Outubro (2018), mas recebi a notícia de que serei avó, então decidi esperar e curtir meu neto ou neta, ao mesmo tempo que amadureço ainda mais a ideia.

ANC: Você pretende explorar novas possibilidades de trabalhos artísticos para além da pintura em tela?
ROSI: Sim, estou muito em busca disso. Comecei no ano passado com uma intervenção que me possibilitou ter uma interação maior com o público e a partir dela, já estou pensando em novos projetos que contam ainda mais com a interação daqueles que entendemos como apenas observadores. Meu pensamento começa a mudar a respeito dessa questão quando inicio outros cursos voltados principalmente para a arte contemporânea e também na troca de ideias com outros amigos artistas e integrantes da AAPLAJ. É um processo de busca, de constante aperfeiçoamento e desejo em testar diferentes materiais e possibilidades para além da pintura.

ANC: Além de ser artista, desempenha outra função dedicada as artes? (Professora, curadora, gestora cultural e etc).
ROSI: A minha atuação é como artista visual e como professora, mas comecei a experimentar novas possibilidades, outras linguagens porque senti que a pintura já não dava mais conta de expressar tudo o que eu gostaria. Estou com muitos projetos que pretendo colocar em prática em breve e um deles é em parceria com uma amiga psicóloga e diz respeito ao desenvolvimento de oficinas para mulheres que enfrentam situações de sofrimento interior e está fundamentado em princípios da arte-educação e da arteterapia.

ANC: Qual a linguagem mais utilizada na produção de seus trabalhos artísticos?
ROSI: Eu amo a pintura, amo o cavalete e além da pintura trabalho com recorte e colagem, mas percebo que a arte contemporânea possibilita com que me expresse muito mais. Dei início a proposta voltadas para a performance e intervenções e estou gostando muito. Por um certo tempo, sentia um aperto no peito, vontade de gritar algo que nem eu mesma sabia o que era. Acredito que o fato de me expressar utilizando outros materiais me trouxe a liberdade que precisava para superar meus limites como artista.

ANC: Como (se for possível) você definiria sua poética?
ROSI: Sempre penso a minha poética como autoconhecimento e autoexpressão. Estou sempre através dela me expressando, mas ao mesmo tempo me conhecendo. Percebo que estou em uma fase de transição, pois até um determinado ponto da minha pesquisa, eu ficava conversando com mulheres, pesquisando sobre mulheres, falando das mulheres e não sabia por qual motivo. Até que chegou em um certo momento em que acabei percebendo que essa minha atitude era um reflexo da minha própria busca interior. Estava olhando para ela na esperança de me encontrar, mas hoje entendo que não estou apenas em busca de mim, mas talvez eu esteja em uma espécie de missão para ajudar outras mulheres.

ANC: Quando você decidiu ministrar aulas de pintura no seu ateliê?
ROSI: Comecei minhas atividades como professora de ateliê antes de iniciar minha produção como artista. Eu já pintava há alguns anos e estudei pintura durante dez anos antes de dar aulas. Existia em mim o desejo de ensinar, mas nunca me sentia preparada. O que me motivou a dar o primeiro passo foi a vontade de ter um emprego em que eu pudesse estar perto dos meus filhos e também por ter uma professora que apesar de não ter tanto domínio sobre o que estava disposta a ensinar, tinha muita coragem para encarar o desafio e buscar sempre mais. Foi aí que decidi tentar e descobri que estava preparada e isso já faz dezesseis anos.

ANC: Em que dias da semana acontecem as aulas? Como você ensina seus alunos?
ROSI: As aulas são ministradas as segundas e terças no período da tarde e da noite. Eu me vejo como uma orientadora das habilidades das pessoas, porque se ela tem interesse e vontade não existe nada que não consiga aprender. Não começo as aulas com teoria e sim a partir da prática e através da prática vou ensinando a teoria, tudo depende do momento de cada aluno. Ensino a técnica, mas não me fecho somente nela e estou sempre trazendo exemplos, artistas dando abertura e possibilidade para que cada um desenvolva seu próprio estilo e sua criação e encontre seu próprio caminho, sempre instigando o pensamento e o autoconhecimento.

Sobre as aulas:

Aulas de pintura em tela
Professora: Rosi Costa
Horário: Segundas e terças 3h/aula (vespertino e noturno)
Valor: R$95,00 mensais
Contato: (47) 9668-1691
*Turmas de no máximo 07 alunos

O que é trabalho de criatividade, o que é hobby e o que é arte?

Pensando no que escrever para compartilhar com os leitores do ANC, me deparei com o rascunho de um projeto da Maria Eduarda, aluna do 1º ano do ensino médio da escola que fiz estágio em 2017.

Meu trabalho de conclusão de estágio tinha como principal objetivo, estimular a criatividade e o pensamento reflexivo a partir da elaboração de uma “máquina impossível” e por meio delas, despertar ideias, discussões, pesquisas e possibilidades de criar um protótipo do que poderia vir a ser construído – mesmo que essa produção não fosse algo possível de executar dentro do nosso contexto. A provocação que deu início a esse projeto compartilhado com os alunos, partiu das observações e pesquisas a respeito das obras e biografia do artista Rogério Negrão e que compunham a exposição “Máquinas do Abismo” (2017).

Finalizada a experiência da docência e da graduação, em dezembro de 2017, hoje (04/04/2018), vasculhando algumas agendas, encontro  uma das etapas do que desenvolvemos em sala de aula: Escrever sobre nossas ideias, colocar no papel o que queríamos materializar em um trabalho de criatividade  e assim, tentar encontrar soluções para possíveis problemas que poderiam vir a surgir durante o processo de criação e de construção de nossas máquinas.

Maria Eduarda (aluna a quem me refiro no início do texto), decidiu criar uma máquina que batizou de “Endorfina – hormônio da felicidade”. Na folha em que os alunos deveriam desenvolver o rascunho de seus projetos, havia um campo para descrever o modo de funcionamento de suas criações, local em que a menina nos dá as seguintes instruções:

“Você irá entrar dentro de uma sala que terá um sofá de frente para uma TV que passará alguns vídeos e frases que vão estimular o cérebro a produzir os hormônios da felicidade que são a endorfina, a oxitocina, dopamina e a serotonina.”

No momento em que eu pude reler esse pequeno texto, surgiu-me a seguinte pergunta: “Será que chegamos ao ponto de precisarmos criar uma máquina para produzir felicidade instantânea?”. – Na verdade essa falsa sensação de felicidade já existe e é alimentada com a ajuda de medicamentos sintéticos, redes sociais, televisão, consumismo e diversos outros meios nada saudáveis e que mascaram as dificuldade que temos em enfrentar nossas realidades.

A proposta que incentivou a criação das máquinas, refletiu não apenas no trabalho dessa aluna mas em vários outros, onde é possível observar as consequências da vida moderna. O mais interessante é perceber que através da arte podemos acessar e dar significado as diversas questões adormecidas em nosso interior, como a angústia e a tristeza, sentimentos proibidos em um mundo em que nos escondemos atrás de falsos sorrisos.

Porém, quem já ouviu falar que a arte liberta? Nos liberta de quem somos e de nossas angústias, sofrimentos, medos, frustrações. A arte nos faz poder o impossível, conceber o inconcebível. Mas na realidade em que vivemos, com tantas crises financeiras  e inseguranças, qual a possibilidade de verdadeiramente vivermos a arte e de arte, para além do que nos é apresentado na escola? Como alcançar a realização profissional sem precisar contar com uma “máquina da alegria”?

Essas são perguntas difíceis de responder, mesmo assim, levanto aqui algumas provocações a respeito de uma palavra que num primeiro momento, não parece estar relacionada com a arte, porém, está sim muito presente na dinâmica daqueles que se dedicam à literalmente viver de arte e entrar em seu amplo e complexo sistema – DISCIPLINA.

Disciplina é o que diferencia de imediato o trabalho artístico proposto por um artista de fato, do trabalho de criatividade proposto por uma aluna no 1º ano do ensino médio. Não quer dizer que o trabalho criativo da aluna não tem o seu valor, mas ainda está longe da maturidade técnica e conceitual que um artista precisa ter para alcançar o status de Arte.

O artista que encara sua produção como um trabalho sério e comprometido, pesquisando, criando e problematizando-a, aumentam muito suas chances  de se tornar bem sucedido dentro do circuito artístico da cidade e do próprio sistema. Uma coisa é certa: Não existe receita pronta e é preciso enfrentar com determinação e coragem as adversidades e os caminhos tortuosos da profissão. É preciso estudar, se qualificar cada vez mais e mais, visitar museus, exposições, eventos de arte, realizar parcerias e muitas vezes recomeçar do zero, se reinventar.

No ano de 2015, aprendi com um  certo “Mestre” – muito conhecido e admirado na cidade – que o artista precisa se doar de corpo e alma aos seus projetos, (e não de doações), sem descanso e sem hesitar. Percebi por estar em constante contato com ele, que trabalhar com arte não pode ser considerado um hobby, algo que produzimos apenas quando há inspiração e que fazemos as vezes só para “relaxar” – na verdade, trabalhar com arte não é nada relaxante e nos trás dificuldades que precisam ser enfrentadas e superadas como outra atividade qualquer-. Quando me refiro a esse “trabalhar com arte”, estou me referindo não apenas aos artistas, mas aos professores, produtores culturais, diretores, galeristas, assistentes culturais e todos os profissionais que estão diretamente envolvidos.

Que a “maré não está para peixe”, todos nós sabemos, mas alguém me disse que – não consigo lembrar ao certo quem – “É por conta dos grandes problemas que chegamos as grandes ideias”. Precisamos aprender a aproveitar uma de nossas melhores qualidades: A criatividade e com a ajuda dela, explorar nossa capacidade de resolver problemas.

Em pensar que tudo isso começa lá na sala de aula, quando a professora nos apresenta os primeiros artistas (que não necessariamente precisam ser apenas das artes visuais) e nós começamos a entender que pensar e agir criativamente pode nos trazer uma série de benefícios para a vida. O que inicialmente é um trabalho de criatividade, pode se tornar um hobby e evoluir para arte, pena que nem todos evoluem e assim passam os anos…