O que é trabalho de criatividade, o que é hobby e o que é arte?

Pensando no que escrever para compartilhar com os leitores do ANC, me deparei com o rascunho de um projeto da Maria Eduarda, aluna do 1º ano do ensino médio da escola que fiz estágio em 2017.

Meu trabalho de conclusão de estágio tinha como principal objetivo, estimular a criatividade e o pensamento reflexivo a partir da elaboração de uma “máquina impossível” e por meio delas, despertar ideias, discussões, pesquisas e possibilidades de criar um protótipo do que poderia vir a ser construído – mesmo que essa produção não fosse algo possível de executar dentro do nosso contexto. A provocação que deu início a esse projeto compartilhado com os alunos, partiu das observações e pesquisas a respeito das obras e biografia do artista Rogério Negrão e que compunham a exposição “Máquinas do Abismo” (2017).

Finalizada a experiência da docência e da graduação, em dezembro de 2017, hoje (04/04/2018), vasculhando algumas agendas, encontro  uma das etapas do que desenvolvemos em sala de aula: Escrever sobre nossas ideias, colocar no papel o que queríamos materializar em um trabalho de criatividade  e assim, tentar encontrar soluções para possíveis problemas que poderiam vir a surgir durante o processo de criação e de construção de nossas máquinas.

Maria Eduarda (aluna a quem me refiro no início do texto), decidiu criar uma máquina que batizou de “Endorfina – hormônio da felicidade”. Na folha em que os alunos deveriam desenvolver o rascunho de seus projetos, havia um campo para descrever o modo de funcionamento de suas criações, local em que a menina nos dá as seguintes instruções:

“Você irá entrar dentro de uma sala que terá um sofá de frente para uma TV que passará alguns vídeos e frases que vão estimular o cérebro a produzir os hormônios da felicidade que são a endorfina, a oxitocina, dopamina e a serotonina.”

No momento em que eu pude reler esse pequeno texto, surgiu-me a seguinte pergunta: “Será que chegamos ao ponto de precisarmos criar uma máquina para produzir felicidade instantânea?”. – Na verdade essa falsa sensação de felicidade já existe e é alimentada com a ajuda de medicamentos sintéticos, redes sociais, televisão, consumismo e diversos outros meios nada saudáveis e que mascaram as dificuldade que temos em enfrentar nossas realidades.

A proposta que incentivou a criação das máquinas, refletiu não apenas no trabalho dessa aluna mas em vários outros, onde é possível observar as consequências da vida moderna. O mais interessante é perceber que através da arte podemos acessar e dar significado as diversas questões adormecidas em nosso interior, como a angústia e a tristeza, sentimentos proibidos em um mundo em que nos escondemos atrás de falsos sorrisos.

Porém, quem já ouviu falar que a arte liberta? Nos liberta de quem somos e de nossas angústias, sofrimentos, medos, frustrações. A arte nos faz poder o impossível, conceber o inconcebível. Mas na realidade em que vivemos, com tantas crises financeiras  e inseguranças, qual a possibilidade de verdadeiramente vivermos a arte e de arte, para além do que nos é apresentado na escola? Como alcançar a realização profissional sem precisar contar com uma “máquina da alegria”?

Essas são perguntas difíceis de responder, mesmo assim, levanto aqui algumas provocações a respeito de uma palavra que num primeiro momento, não parece estar relacionada com a arte, porém, está sim muito presente na dinâmica daqueles que se dedicam à literalmente viver de arte e entrar em seu amplo e complexo sistema – DISCIPLINA.

Disciplina é o que diferencia de imediato o trabalho artístico proposto por um artista de fato, do trabalho de criatividade proposto por uma aluna no 1º ano do ensino médio. Não quer dizer que o trabalho criativo da aluna não tem o seu valor, mas ainda está longe da maturidade técnica e conceitual que um artista precisa ter para alcançar o status de Arte.

O artista que encara sua produção como um trabalho sério e comprometido, pesquisando, criando e problematizando-a, aumentam muito suas chances  de se tornar bem sucedido dentro do circuito artístico da cidade e do próprio sistema. Uma coisa é certa: Não existe receita pronta e é preciso enfrentar com determinação e coragem as adversidades e os caminhos tortuosos da profissão. É preciso estudar, se qualificar cada vez mais e mais, visitar museus, exposições, eventos de arte, realizar parcerias e muitas vezes recomeçar do zero, se reinventar.

No ano de 2015, aprendi com um  certo “Mestre” – muito conhecido e admirado na cidade – que o artista precisa se doar de corpo e alma aos seus projetos, (e não de doações), sem descanso e sem hesitar. Percebi por estar em constante contato com ele, que trabalhar com arte não pode ser considerado um hobby, algo que produzimos apenas quando há inspiração e que fazemos as vezes só para “relaxar” – na verdade, trabalhar com arte não é nada relaxante e nos trás dificuldades que precisam ser enfrentadas e superadas como outra atividade qualquer-. Quando me refiro a esse “trabalhar com arte”, estou me referindo não apenas aos artistas, mas aos professores, produtores culturais, diretores, galeristas, assistentes culturais e todos os profissionais que estão diretamente envolvidos.

Que a “maré não está para peixe”, todos nós sabemos, mas alguém me disse que – não consigo lembrar ao certo quem – “É por conta dos grandes problemas que chegamos as grandes ideias”. Precisamos aprender a aproveitar uma de nossas melhores qualidades: A criatividade e com a ajuda dela, explorar nossa capacidade de resolver problemas.

Em pensar que tudo isso começa lá na sala de aula, quando a professora nos apresenta os primeiros artistas (que não necessariamente precisam ser apenas das artes visuais) e nós começamos a entender que pensar e agir criativamente pode nos trazer uma série de benefícios para a vida. O que inicialmente é um trabalho de criatividade, pode se tornar um hobby e evoluir para arte, pena que nem todos evoluem e assim passam os anos…

O educativo nas instituições de arte de Joinville

Qual a visibilidade que os museus e instituições culturais de Joinville dedicam ao seu educativo?

O título tem o intuito de ser provocativo.

Você já se perguntou qual a função dos museus e instituições culturais no mundo contemporâneo em que vivemo? Ser expectador ou “participador” do processo ?

São tantas as perguntas e questões que nos inquietam quando o assunto é o educativo e a mediação cultural…Mas qual é o seu papel dentro das instituições culturais? Será que o educativo é algo pensado exclusivamente para atender escolas e crianças?

Afinal de contas, o que é mediação cultural?

A mediação cultural é um meio utilizado para ampliar o repertório e a compreensão do público que se dispõe a observar ou participar dos encontros com a subjetividade da arte. São muitas as formas de compreender a mediação cultural em exposições de arte, estando presente por meio da curadoria, dos textos críticos, do material de divulgação, da exposição propriamente dita e, principalmente, por meio do educador do museu. A função do educador é comunicar, fazer observações e leituras de ordem semiótica referente às obras em questão, levando em conta o repertório daquele que está sendo mediado e instigando-o a encontrar seu próprio caminho, o seu jeito de se relacionar com a mostra.

Para isso aquele que media, necessita adquirir conhecimentos específicos a respeito da obra, do contexto histórico e cultural em que ela foi produzida e que está inserida, bem como do processo criativo do artista.

Além do preparo e do repertório do mediador cultural, este também precisa levar em conta de que é pela interação com o público que a mediação acontece. Não se pode limitá-la aos roteiros pré-estabelecidos pelas instituições, pois, mediar é mais que uma apresentação e reprodução de conceitos e informações, é um encontro de ideias, uma construção e amadurecimento constantes, um pensamento de ordem coletiva e singular, visto que cada pessoa aprende e interpreta o mundo a sua maneira. Por público mediado, pressupõem-se aqueles que desejam e estão abertos a tentar encontrar formas diferentes de se relacionar com a arte, observando pontos fundamentais ressaltados pelo mediador, que ao primeiro olhar, poderiam não ser percebidos. A mediação cultural acontece quando existe o desprendimento em permitir-se olhar de outra maneira, fazer um segundo olhar para arte e para a vida. O mediador cultural e o observador/participador tem que estar dispostos a compartilhar conhecimentos, a dialogar e a trocar experiências. Não há possibilidade de dar início à mediação cultural sem o entendimento entre aquele que media (e também recebe) e aquele que recebe (e também media) sendo então todos os envolvidos, também protagonistas da ação.

Entende-se que, a mediação cultural só acontece se ambos (mediador e “participador”) estiverem dispostos a compartilhar suas impressões, informações e conhecimentos de mundo, caso contrário, torna-se nada mais que uma espécie de aula expositiva, pouco ou nada significante para o visitante, já que as informações serão de certa forma, “despejadas” sobre ele, que na maioria das vezes, sentirá dificuldades quanto a assimilação dos conteúdos por não estar familiarizado com determinados conceitos e também com o que vê. É quando surgem às interpretações superficiais ou quase inexistentes que contribuem para perpetuar a anestesia, sentimento que está presente em nosso dia a dia e em grande parte da população, que por diversos motivos, pouco se relaciona com a arte na sua essência.

(Fragmentos de textos retirados do Trabalho de Conclusão de Curso “MUSEU DE ARTE DE JOINVILLE E MUSEU CASA FRITZ ALT: O PAPEL DO MEDIADOR CULTURAL E DA ARTE-EDUCAÇÃO NA ATUALIDADE” – Celiane Neitsch).

Com base no texto, compreendemos que a mediação cultural e o educativo são fundamentais no processo de educação e de “transformação” do olhar e que os mesmos não são exclusividade do público escolar ou infantil. Se é de interesse das instituições,  o aumento crescente do público, se faz necessário dar condições e oferecer atrativos (e não apenas atrações), para que a população tenha opções que vão para além da visitação.

Em Joinville, alguns espaços oferecem a opção de visita comentada (em outras publicações, falaremos do termo “monitor”), mas consideramos que os projetos culturais  incluam a participação dos visitantes, é de grande importância e contribui ainda mais para o desenvolvimento estético daqueles que estão em contato com as obras ou objetos de valor cultural. Outra questão muito pertinente, diz respeito a um determinado público que merece atenção especial e que precisa desesperadamente que as esquipes os incluam em sua programação: O público de pessoas com deficiência.

Pensar e debater políticas públicas que proporcionem o acesso a cultura e educação da pessoa com deficiência, também é essencial para o desenvolvimento cultural da cidade e é a realização efetiva de direitos adquiridos. Proporcionar acesso a cultura e a arte para todos, independente de sua condição, minimizando as diferenças e as injustiças sociais é um dever de todos os cidadãos, mas acredito que em especial, daqueles que escolheram como vocação, amor e profissão a arte e também a educação.

Um exemplo de equipe educativa e projetos de sucesso, é o “Museu Arqueológico de Sambaqui”, que conta com profissionais especializados, atendimento de referência, além de proporcionar experiências significativas as seus visitantes e contar com material pedagógico disponível para as escolas.

Esperamos e acreditamos em um futuros em que todas as instituições da cidade busquem oferecer, qualificar, valorizar e a cima de tudo, ter a consciência dos benefícios e necessidade de manterem as equipes de educadores, fazendo de suas mostras culturais, muito mais que um evento, e sim um local que faz a diferença e contribui com o avanço e fortalecimento do setor cultural e da educação não formal.

Diretores, educadores, curadores, artistas e demais envolvidos, vamos pensar juntos o educativo, a acessibilidade e a inclusão para fortalecer cada vez mais a arte de nossa querida Joinville!