Livro “sobre os jardins” propõe resgate da sensibilidade e do sentido da humanidade em nós

Elisabeth A.C.M. Fontes, nasceu em Leopoldina, MG, é Bacharel em Piano e tem Licenciada em Música pelo Conservatório Brasileiro de Música Lorenzo Fernandez (RJ). Pós-graduada em Arte Educação (CEPEMG) e em Arte Terapia (INPG).  Atualmente, Beth também é acadêmica Honorária da ALASFS – Academia de Letras de São Francisco do Sul SC, e membro da Associação das letras e Confraria do Escritor de Joinville. É autora de diversas  obras como “Guia Prático de Bogotá”, “História de uma Aquarela “ e também “Sobre os Jardins”. Em parceria com outros autores, participou de antologias como “Saga Nossa”, “Outras Histórias” e “Letras Associadas”.

Ao Arte na Cuca, Beth falou sobre sua produção artística, seu processo de escrita, e claro, sobre sua obra mais recente o livro, “Sobre os Jardins”, ilustrado por Maria Lúcia Rodrigues.

 

Arte na Cuca – Você é natural de Leopoldina, Minas Gerais. Há quanto tempo reside em Joinville e o que te levou a mudar de cidade?  Qual foi sua primeira impressão ao chegar?

Vim para Joinville em fevereiro de 1999, por motivo de trabalho do meu marido. Quando aqui cheguei ,fiquei impressionada com a beleza da cidade, a arquitetura alemã ainda presente em algumas casas de estilo Enxaimel. Fiquei encantada com as áreas verdes e com os jardins constantemente floridos e bem cuidados, com a preservação dos museus e dos lugares turísticos. Joinville também me cativou pela gastronomia alemã, as pessoas acolhedoras, o clima friozinho e a proximidade com as praias do litoral catarinense. Desde que cheguei, senti que seria uma boa experiência morar aqui.  E eu estava certa. Hoje, 19 anos depois, me sinto tão pertencente a este lugar que me considero Joinvilense de coração.

 

Arte na Cuca – Além de escritora e arte-educadora, você também é musicista, como foi o encontro com as artes?

Meu encontro com as artes começou quando eu era bem pequena. Aos 5 anos de idade, ganhei um pianinho de brinquedo, estes que tem apenas 10 teclas. Comecei a explorar os sons e sozinha, aprendi as primeiras melodias. Minha mãe, vendo que eu tinha habilidade musical, me matriculou num conservatório para estudar piano, aos 10 anos de idade. Ali encontrei outros instrumentos como o violão, a flauta doce e o canto coral, decidindo estudar todos eles. Neste universo me descobri também compositora. Fiz inúmeras canções para crianças no meu trabalho como professora. Minha paixão pela música prosseguiu e fiz curso superior em piano. Depois, os cursos de pós – graduação em Arte Educação e em Arte Terapia.

Fui musicista e educadora musical por muitos anos e a prática da música sempre esteve ligada à poesia em meu trabalho. Das composições para crianças passei a escrever poesias para adultos, prosas poéticas e contos. Uma arte vai trazendo outra. E assim, foi chegando à minha vida o gosto pelas artes plásticas, a fotografia e também a arte cerâmica. Explorei um pouco de tudo. Hoje em dia, como escritora e musicista, trabalho integrando as artes por meio de palestras, apresentações musicais, contação de histórias e saraus.

Arte na Cuca – Você escreveu “Sobre os Jardins” e “História de uma Aquarela”, os dois últimos ilustrados por Maria Lúcia Rodrigues. Na literatura, não devemos denominar “escritor e sim autor”, pois ambos, escritor e ilustrador são autores do livro. Fale um pouco sobre a criação dos livros e também sobre o processo de trabalho de vocês.

“História de uma Aquarela” é um livro infanto-juvenil bilíngue, escrito em português e espanhol, publicado em 2013 na Colômbia e lançado na XXVI FILBO – Feira Internacional do Livro de Bogotá.   Durante o tempo em que trabalhei como voluntaria em projetos sociais da ONG brasileira Fundação Aquarela Bogotá, surgiu a vontade de escrever um livro para crianças sobre o viver em outro país abraçando o voluntariado e trabalhos humanitários. Foi o primeiro livro que escrevi com a parceria da Malu Rodrigues. O livro foi escrito à distância: os textos em Bogotá e as ilustrações em Joinville, uma parceria “on line” que a internet nos ajudou a resolver muito bem, aproximando Colômbia e Brasil, neste trabalho humanitário cujo resultado foi maravilhoso!  De caráter beneficente, o livro teve sua renda totalmente destinada às instituições assistidas pela Fundação “Aquarela de Bogotá”, que atende crianças em risco social e portadoras de câncer.  A edição e publicação do livro, feita com recursos próprios, bem como os nossos direitos autorais, foram todos doados para esta causa.

“Sobre os Jardins” foi nosso segundo livro, publicado no Brasil em 2014, com o apoio do SIMDEC e Fundação Cultural de Joinville. Em 2015, foi indicado entre os 10 livros de literatura infantil juvenil com leitura recomendada pela representante do PROLER de Santa Catarina, Dra Taiza Hauen de Moraes, durante a Feira do Livro de Joinville.

Em ambos os livros nós trabalhamos em sintonia, cada uma acrescentando à linguagem da outra, porém, respeitando a criação autoral. Malu Rodrigues, especialista em narrativa visual, desenvolve um trabalho específico de ilustração onde as imagens são cuidadosamente elaboradas de forma a estabelecer um diálogo com o texto e não somente “repetir” o que já está escrito. Isso traz uma riqueza enorme à narrativa textual. Neste processo, vamos construindo juntas todo o projeto literário onde o texto e as imagens se interagem e se complementam. É uma parceria que tem feito a gente crescer muito como autoras de literatura infantil juvenil.

Arte na Cuca – O que você poderia dizer aos nossos leitores a respeito do livro “Sobre os Jardins”?

 “Sobre os Jardins” é uma prosa poética sobre a vida e os valores humanos, baseado nos elementos dos jardins. O livro é um convite ao resgate da sensibilidade e do sentido da humanidade em nós. Propõe o silêncio e o olhar cuidadoso sobre a natureza e a busca das sabedorias guardadas no tempo das sementes, nos verdes das folhas, no crescer das árvores, no esperar das flores, nas pedras do caminho. No mundo de hoje, tão massificado pelo “imediatismo”, valores como paciência e perseverança, compaixão e resiliência são algumas das sabedorias tecidas em metáforas nas lições dos jardins e que podem ser redescobertas nesta prática de observar profundamente. Mais que com olhos curiosos, com o olhar sensível.

 

Arte na Cuca – Como tem acontecido a divulgação do livro e quais os próximos jardins onde o livro irá florescer?

Depois de ter participado de importantes eventos como o “I Jardim Criativo do MAJ”, o “VI Encontro Catarinense de Escritores”, o “VI Encontro Internacional de Contadores de Histórias FATUM”, o “III Festival da Primavera”, nosso próximo evento será participar do “XXIV Encontro do PROLER “,na UNIVILLE Universidade, dia 12 de novembro. E em seguida, do dia 13 a 18, participaremos do “II Observa”, evento realizado pelos grupos de observadores de pássaros de Joinville e região que acontecerá dentro da programação da 80ª Festa das Flores de Joinville.

Arte na Cuca –  Sobre sua relação com a música, foi em Joinville aconteceu o lançamento do seu primeiro CD “Sonoridades Doces para Sensibilidades Tranquilas”(2005), junto do “Compassolivre Conjunto de Flautas Doces de Joinville”.  Quais seus próximos projetos na música?

Participar do “Conjunto de Flautas Doces Compassolivre”, foi um grande presente para mim. Em 2003 fui convidada a fazer parte da nova formação do grupo e em 2005 gravamos o CD “Sonoridades Doces para Sensibilidades Tranquilas”. Por conta desse belo projeto, participei de várias turnês de lançamento e divulgação do espetáculo. Esta oportunidade apresentou-me oficialmente como musicista para a cidade e solidificou minha carreira aqui em Joinville, abrindo novos caminhos na arte. Foi um tempo de grande aprendizado e a feliz oportunidade de conviver com músicos e profissionais das áreas de educação e cultura.

Sobre os próximos projetos, já estou gestando um novo livro de poemas infantis o qual terá a participação da Malu Rodrigues, criando toda a imagética e a poesia da ilustração. Este novo trabalho endereçado às crianças, está carregado de delicadezas e arte, e tem planos para ser lançado no ano que vem.

Paralelamente, sigo no meu projeto pessoal “Canções de contar Histórias”, que é um trabalho autoral de composição de canções para livros infantis. Uma espécie de “música tema” especialmente composta para o livro. A inspiração surgiu em 2015, motivada pela leitura de livros de escritores joinvilenses.  As primeiras canções foram escritas para os livros “Fritz, um sapo nas terras do príncipe”, “O vento que me voa” e “Uma árvore que dá o que falar”, do escritor Jura Arruda. Depois, vieram as canções para “Dor de Passarinhos” e “Devagar e sem pressa vamos à biblioteca” ( Rita de Cássia Alves), “A dança que encanta criança” ( Bernadete Costa), ”Coração Guarany” (Marlete Cardoso) e “Tob, o cachorro campeão” (Beatriz Peres). Em 2017 comecei a compor para livros infantis de escritores do Estado do Paraná, como para o livro “Monet, e o dia em que tudo mudou” (Katya Hirata) e “A última folha” (Adriana Barretta).  Este projeto que envolve música e historias tem o desejo de virar um livro de poesias, canções e partituras futuramente. Gosto muito de interligar as artes, a música conversando com a poesia, os livros, as ilustrações e a contação de histórias. Creio que este diálogo entre várias linguagens expressivas que a arte propõe é muito enriquecedor para as crianças em seus processos de aprendizagem cognitiva, sensorial e emocional.

 

Arte na Cuca – O que lhe dá mais prazer no processo de escrita?

Escrever com tempo e com paciência é um grande prazer. A gente vai deixando as ideias nascerem sem pressa, vai modelando as palavras, vai bordando a escrita. A inspiração traz o texto, mas é o debruçar-se sobre ele que o torna poesia. A minha maior alegria está em receber o retorno do leitor, saber se o meu texto tocou ou acrescentou um pouco de emoção e significados à história de quem leu. Se o meu livro emocionar, suscitar alguma boa lembrança, provocar alguma mudança, trouxer algum estado de encantamento, ele terá cumprido seu propósito de dialogar com o sentimento do outro. E isso é o que nutre a minha vontade de continuar escrevendo.

 

Os livros da autora podem ser encontrados para venda na livraria: “O Sebo”, Rua Dr. João Colin, 572 – Centro, Joinville – SC. Tel. (47) 3433-7081. Meu contato: beth.fontes@gmail.com

Bruna Morsch lança livro e fala sobre vida, literatura e atitude

A escritora Bruna Sofia Morsch lançou o livro Van Ella Citron na sexta-feira, 20 de julho, com sessão de autógrafos e conversa com os leitores nas Livrarias Curitiba do Shopping Mueller. Publicado pela editora Micronotas, o romance trata da transformação dupla na vida da personagem que lhe dá o título: de universitária a garota de programa em Metrópolys, de iniciante a maior heorína entre as mulheres da Ilha das Viúvas, Van Ella luta para não ser enquadrada em um perfil único. A história propõe reflexões sobre a busca por status, sobre reconhecimento, sobre cultura machista e sobre feminilidade.

Bruna Sofia Morsch é escritora de contos, poesia e romance. É professora e psicóloga, pós-graduada em Psicanálise. Van Ella Citron é seu romance de estreia e foi apontado como um dos dez melhores livros de 2017 em uma lista de novidades e lançamentos de pequenas editoras elaborada pela equipe e pelos críticos do site São Paulo Review. A autora conversou sobre a vida e sobre a literatura com o ARTE NA CUCA algumas horas antes do lançamento.

Fale um pouco sobre o significado de Van Ella Citron para a sua trajetória artística e pessoal.

Minha trajetória artística começou por influência da minha mãe, que sempre esteve envolvida com a arte. Eu sempre gostei de desenhar como um hobby, nunca havia pensado em encarar isso como profissão. Foi na adolescência, durante meu processo de transição e confusões em relação à minha sexualidade que comecei a escrever. Dessa escrita surgiram dois romances que não prosperaram, pois acabei me cansando deles. O ingresso no curso de Psicologia caiu como uma luva e foi muito interessante conhecer a diversidade das pessoas. No final da faculdade saí da minha primeira profissão, passei por um momento bastante confuso relacionado a questões familiares e à minha própria identidade de gênero, num processo de descoberta. Estava muito confusa, mas sabia que precisava me formar e abrir minha clínica. No meio disso tudo, decidi voltar a escrever, mas a ideia era partir para as crônicas, dando início à Ilha das Viúvas, lugar que a Van Ella mora e que nasceu de um blog. O projeto de transformar as crônicas em livro deu-se no início do meu processo de transição e, no meio do livro, já com o nome de Bruna, percebi que a personagem falava muito de mim, muitos dos conflitos da personagem vêm da minha subjetividade e me concretizavam enquanto mulher e enquanto escritora.

Quais foram as referências ou inspirações para o seu livro? Em que medida ele é autobiográfico?

As pessoas pensam que todas nós, mulheres transexuais, somos ou já fomos prostitutas. Não vejo nenhum problema nisso, mas eu não chego para um sujeito e pergunto “ah, você é médico, né?”. O preconceito está intrínseco. Penso que o livro é autobiográfico quando ele traz referências da minha personalidade de uma maneira fantasiosa, maquiada, leve mas glamorosa, porque viver na pele o que a Van Ella vive é muito difícil. Quando penso na questão estética do livro, as inspirações são referências cinematográficas, principalmente os filmes de Quentin Tarantino e os quadrinhos Sin City além, claro, da psicanálise.

O abandono de uma vida considerada perfeita, o choque da realidade das ruas, o trabalho como prostituta…Como esses temas afetam Bruna Sofia Morsch?

Muitas pessoas ficaram chocadas com o início do livro porque a personagem abandona tudo para levar uma vida muito diferente em um ambiente de crimes e de prostituição. Não conseguem compreender os motivos para ela fazer isso. Com Van Ella Citron tento trazer para o livro o caminho inverso dessa visão de mundo capitalista, da busca pelo status perfeito e de que temos que ser sempre bem sucedidos em todas as áreas da vida. Eu não fiz essa saída para o campo da prostituição para me resolver, mas me afeta justamente quando penso quais são os preços que pagamos pelas nossas decisões. Muitos pensam que estou num lugar maravilhoso por ter uma família que me apoia e por ter meu emprego, mas a invisibilidade relacionada às mulheres está em todos os lugares, mesmo em uma simples conversa. O discurso machista está presente em qualquer boca.

Sua personagem se constrói como mulher num sentido contemporâneo, mas também está presa a angústias e questões mal resolvidas de uma vida privilegiada. Para você, o que é ser mulher?

Penso que essa passagem da menina para tornar-se mulher não se trata de uma questão cronológica, de estar muito bem elaborada com a menina que se foi, com a mãe que se tem e com esse afastamento da figura da mãe. É quando passamos a nos reconhecer além daquele lugar que nos faz filha de alguém. Ser mulher é entrar em contato com a sua feminilidade e ter de se haver com o fato de que a mulher é um sujeito castrado. É alguém que entra em contato com seu próprio saber e se aventura sem medo do diferente, daquilo que não sabe.

Van Ella Citron se transforma numa espécie de justiceira contra a máfia e o governo sem medir consequências. Como essa transformação radical auxilia a descoberta do “eu” interior e psicológico da personagem?

Algumas pessoas que me apoiam no projeto e que também leram o livro falaram que a personagem Van Ella é um diamante com várias facetas e que age conforme a luz bate nela. Outras falam que se trata de um sujeito que ainda não está constituído, sendo assim uma dúvida. Também acho que nesse primeiro livro ela é muito introdutória e está se descobrindo, vivendo um período de transição que é a passagem da adolescência para a vida adulta, todos os problemas e descobertas que essa mudança traz como a impulsividade do não saber viver e o que fazer com isso. Mas ela acaba fazendo algo grandioso, que talvez tenha um preço.

As revelações finais sobre a identidade da personagem nos faz pensar sobre inclusão e representatividade do público LGBTQ+ na cena literária. Como você analisa esta questão?

Já tive muita cobrança social para estar sempre militando e falando sobre ser uma mulher transexual, mas não quero que a transexualidade apareça antes do meu nome ou de quem sou como pessoa. Isso é algo que acontece muito com quem levanta bandeiras: acaba apagando o sujeito. Acredito que o fato de estar lançando um livro e estar circulando em outras profissões, transitando de uma forma diferente do que se espera de uma mulher trans já é o suficiente. Não preciso militar ainda mais do que aquilo que já estou fazendo espontaneamente. Quero alcançar leitores além da bandeira LGBTQ+. Um dos meus objetivos com esse livro é minimizar a transexualidade enquanto algo gritante para a sociedade. Acho que esse discurso do “me engulam” e essa gritaria do “me aceitem” são efetivos para conquistar direitos, mas completamente fracassados para fazer relações de conversas e travessias de encontros entre sujeitos. Penso que a militância vem das questões da relação com o judiciário, não com as relações de amor.