Educação e transformação por meio da arte: o propósito de Ademar César e Jane dos Santos

“Eu via o Ademar como um artista de muito talento, mas essa parte artística sempre era nosso “plano b” e não o “plano a”. Quando tomamos a decisão de realmente fazer da arte o nosso sustento, fomos buscar maneiras de fazer isso se tornar realidade”.

Jane dos Santos

Quem já passou pelas ruas dos bairros da cidade e de repente se deparou com muros coloridos e repletos de imagens de passarinhos, flores, corações e crianças felizes a brincar? Vamos dar uma dica: um deles está na entrada do Iate Clube de Joinville que fica no bairro Espinheiros, e retrata as belezas da baía da Babitonga.

O responsável por essas criações é o artista Ademar César, que há mais de vinte anos, dedica seus dias a arte e a produzir trabalhos em pintura que surpreendem por sua técnica e expressão.  Ademar vive exclusivamente de arte, e com o apoio de sua esposa Jane, mantém a vida profissional de artista e o projeto social que leva seu nome, o Instituto Cultural Ademar César, situado na rua Benjamin Constant, nº 3870, bairro Glória.

Espaço destinado a atender pessoas com ou sem deficiência, é um projeto social sem fins lucrativos, que conta com a ajuda de voluntários e se de dica a fazer com que os participantes encontrem prazer, alegria e motivação para viver por meio da arte.

 A equipe do ARTE NA CUCA visitou o instituto e conversou com o casal, que em tom descontraído  falou sobre o projeto, os trabalhos em arte-educação e a vida dedicada a arte.

O PROJETO SOCIAL

ARTE NA CUCA: Boa parte do tempo de vocês é dedicado ao projeto social Instituto Cultural Ademar César, voltado a pessoa com deficiência. O que motivou-os a iniciar essa caminhada?

ADEMAR/JANE: No ano de 2007 montamos um projeto para vender aulas de pintura. Na época, o shopping Mueller e o Shopping Cidade das Flores entraram na parceria que ainda existe, mas o projeto em si durou seis anos. Nessas oficinas, que aconteciam nos dois Shoppings, começamos a conhecer o universo da pessoa com deficiência, por volta de 2008. Foi em uma dessas oficinas que o Ademar ministrava e que eu era a responsável por fazer as inscrições , que um cadeirante se aproximou e perguntou se ele também poderia participar das aulas. Respondi que sim.

Para minha surpresa, a pessoa respondeu que eu não conhecia sua vida e que era muito difícil uma pessoa com deficiência conseguir participar de diversos eventos, principalmente por falta de acessibilidade e atenção dos demais para as necessidades do outro. Depois daquele dia começamos uma amizade, que nos sensibilizou para muitos outros projetos envolvendo a inclusão da pessoa com deficiência, transtornos mentais leves e vulnerabilidade social.

ARTE NA CUCA: Como iniciou o Instituto Cultural Ademar César?

ADEMAR/JANE: O Instituto nasce em 2011, depois de já estarmos em uma caminhada trabalhando com inclusão e oficinas em que oferecíamos bolsas para que pessoas com deficiência também participassem de oficinas que ministrávamos. Nesse ano, percebemos que o projeto voltado ao público com deficiência mantinha-se em crescimento e fomos buscar informação e treinamento para fazer dessa ação – que até então contava com dez participantes – algo maior, que pudesse beneficiar ainda mais pessoas.

A primeira sede do instituto foi uma pequena sala anexo a uma escola que oferecia cursos profissionalizantes na cidade, lugar em que ministramos aulas até 2015, quando finalmente foi possível mudar para onde estamos hoje.

ARTE NA CUCA: Quais são as atividades que o Instituto oferece para os seus atendidos?

JANE: O Instituto Cultural Ademar César oferece vivências em desenho, pintura, dança inclusiva, inclusão digital e aulas de reforço escolar, sempre utilizando a arte como ferramenta de ensino.  Nosso público atualmente está voltado para alunos de escola pública, idosos, pessoas com deficiência física, mental e algumas síndromes.

ARTE NA CUCA: Quantos atendimentos a instituição realiza atualmente?

JANE: Atualmente o instituto realiza oitenta e seis atendimentos por semana e conta com cerca de dez voluntários, entre professores, psicólogos e nutricionista e seu objetivo principal é trabalhar com o melhoramento das capacidades da pessoa, sua autoestima, independência, interação com o outro, expressividade e etc.

ARTE NA CUCA: Ademar, o livro “Dois olhares sobre Joinville” da autora Fernanda Ortiz Machado, trás algo que nos deixou curiosos, uma exposição de pinturas suas na ARCD, pensada para pessoas com deficiência visual. Como foi essa exposição?

ADEMAR: Não fiz exatamente uma exposição para pessoas com deficiência visual, apenas permiti que as mesmas tocassem nas telas durante a exposição. A curiosidade foi a seguinte: será que a pessoa com deficiência visual, se tocar na tela conseguiria compreender alguma coisa? As fichas técnicas das obras foram feitas em Braille e as pinturas eram carregas de tinta a óleo, então a percepção do tato ficou muito aguçada e foi possível compreender os detalhes de cada imagem.

Além disso, havia um texto suporte para que a pessoa conseguisse criar imagens mentais do ambiente da exposição e também das obras. O grande problema é que a maioria dos espaços não toma essa atitude, não deixa as pessoas tocarem, sentir a arte, sendo que aquele é o único jeito que ela tem para poder enxergar.

OS MURAIS DE ADEMAR CÉSAR

ARTE NA CUCA: O trabalho da pintura mural na cidade parte de uma percepção de vocês, qual foi?

ADEMAR/JANE: Percebemos que na cidade haviam muitos muros pichados e que poderíamos de alguma forma contribuir para que essa realidade mudasse. Então começamos a vender as pinturas murais, sempre atreladas a projetos educacionais de conscientização e arte-educação. Observamos que, criou-se certo respeito e que os muros que receberam os projetos não retornaram a ser pichados.

O objetivo não é apenas pintar o mural, finalizar e ir embora. É fazer um trabalho de arte-educação que inicia com a palestra nas escolas.  Os alunos e toda equipe pedagógica conhecem o artista que vai realizar aquele projeto, falamos sobre arte, sobre pintura e sobre a obra que será realizada para aquela instituição.

ARTE NA CUCA: Existe uma grande diferença entre as suas pinturas em tela e as pinturas murais, a que se deve essa mudança?

ADEMAR: Os desenhos e pinturas que faço e que estão nos quadros, foram desenvolvidos exclusivamente para o suporte das telas, são óleos sobre tela, sendo assim outra técnica. Quando eu trabalho com os murais, preciso desenvolver de um jeito que eu possa obter ajuda de outras pessoas que não sejam necessariamente artistas, durante o processo do preenchimento das cores. Comecei a fazer isso nas escolas, quando a proposta era fazer com que os alunos tivessem essa experiência de pintar junto com o artista. Nos murais, trabalhamos a arte pop.

ARTE NA CUCA: Vocês consideram que esses trabalhos, são um meio de deixar o registro do que é a arte do Ademar César, para as futuras gerações?

ADEMAR/JANE: Sim, com certeza. Pois é a pintura dele, o traço e o gesto dele que estão espalhados por diversos pontos da cidade. Estão dentro de escolas, espaços de lazer, de convencia e etc.

ARTE NA CUCA: E quanto à questão financeira, é possível viver trabalhando somente com arte? ( A pergunta não foi feita diretamente ao casal, mas está sendo feita à você leitor. Leia o que diz a fala de Jane, esposa de Ademar César).

Quando levamos a proposta dos murais, as pessoas nos param e perguntam se quem está pagando é a prefeitura. Isso chega a causar certa indignação. Em algumas situações em que estamos executando a pintura nos muros, perguntam: Vocês estão pintando aí “de graça”? E eu respondo: Sim, a gente adora ficar aqui nesse sol torrando e trabalhando de graça! A questão é, porque a arte sempre tem que ser gratuita?” Jane dos santos.

Quem quiser colaborar ou conhecer o Instituto Cultural Ademar César, pode entrar em contato através do telefone (47) 3435-8195 ou pelo e-mail: institutoademarcesar@hotmail.com

Universo, desenho e forma na arte de Cristina Walter

Cristina Walter é daquelas pessoas que está sempre criando algo, tem necessidade de trabalhar com as mãos e ao mesmo tempo expressar o que sente, seja para expor ou para guardar em algum lugar da sua casa/ ateliê, que divide com seus três gatos. Apaixonada por desenho, inicia seus primeiros traços ainda criança inspirada no irmão mais velho, que também desenhava. Com o tempo, o irmão perdeu a atração pelo desenho, à irmã, descobriu a arte.

Além do desenho, outros trabalhos da artista que chamam muita atenção são a infinidade de  origamis, dobraduras e colagens que ela desenvolve. Inspirados na cultura oriental ou em propostas e conceitos nos quais a dobradura em papel é suporte para expandir a outros universos como o da pintura, aos poucos, o que antes era apenas tinta impressa em papel, transformou-se quase que em telas resguardadas por molduras.

O ano de 2018 tem sido muito proveitoso para Cristina, que após associar-se a AAPLAJ (Associação dos Artistas Plásticos de Joinville), vem se desafiando cada vez mais e já estuda  aventurar-se por outras linguagens. Neste ano, foram três exposições muito importantes: “A Margem-Um olhar sobre o rio”, “Exposição Urban Sketchers Brasil – durante o III Encontro Urban Sketchers Brasil – Salvador/BA”, “Coletiva de Aquarelas do Grupo Observa Joinville”.

Para que sua arte e sua técnica esteja acessível a cada vez mais e mais pessoas, a artista realiza oficinas de origami e divulga seus trabalhos através da página do facebook e da marca, Universo Quadrado. Agora você também encontra as produções da Cris na loja virtual do arte na cuca. Confira a seguir a entrevista exclusiva que ela concedeu ao site, e conheça mais sobre uma de nossas parcerias, e um pouco do que ela faz e pensa sobre arte.

ARTE NA CUCA: Apesar de já produzir arte faz algum tempo, você é uma artista que está começando a se apresentar e a expor cada vez mais na cidade. Conte para nossos leitores e leitoras quem é Cristina Walter?

CRIS W: Meu nome é Cristina Walter da Silva, mas assino meus trabalhos apenas como Cristina Walter. Nasci na cidade de Joinville em 01/12/1970 e comecei a trabalhar aos quinze anos, mas infelizmente apenas meu primeiro emprego tinha relação com desenho, pois trabalhei numa agência de publicidade. Aos 23 anos me aventurei a morar em Curitiba/PR e depois de dois anos morando lá e estudando, a ajuda financeira do meu pai acabou. Fui obrigada a largar os estudos e trabalhar. Só depois de voltar a Joinville em 2012, que meus planos de ser artista voltaram a florescer. De lá para cá, espero continuar trilhando esse caminho, estudar e praticar cada vez mais para minha evolução profissional, fazer novas exposições e ser reconhecida como artista.

ARTE NA CUCA: Quando você começou a desenhar?

CRIS W: Comecei a desenhar ainda criança. Quando era pequena gostava muito dos desenhos do meu irmão mais velho e queria desenhar como ele. Infelizmente ele parou, mas eu continuei com o incentivo da minha mãe que também pintava e desenhava.

ARTE NA CUCA: Após saber que sentia esse desejo de levar o desenho adiante, quais alternativas você procurou para aperfeiçoar seu traço? Estudou em alguma escola de arte?

CRIS W: Aos onze anos fui estudar na escolinha de artes da casa da cultura Fausto Rocha Júnior, depois cursei desenho juvenil, desenho publicitário e desenho adulto. Permaneci por cinco anos. Lá eu tive aulas com Luiz Si, Nadja de Carvalho Lamas e outros professores maravilhosos. Quando mudei de Joinville/SC para Curitiba/PR, frequentei curso de pintura por dois anos na Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Atualmente me dedico às aulas de pintura em aquarela com a artista Silvana Pohl.

ARTE NA CUCA: Como iniciou tua trajetória artística? Tens participado cada vez mais de reuniões e encontros de artistas, assim como de exposições. Conte-nos sobre como tudo começou.

CRIS W: Iniciei ministrando cursos e workshops de origami. O primeiro foi na empresa TOTVS em 2015. Eu trabalhava lá na época e como eles tinham um projeto interno de incentivo aos funcionários para mostrar seus talentos, me inscrevi propondo o workshop de origami. Para minha surpresa, no ano seguinte me convidaram para repetir o workshop.

Com o sucesso dessa primeira experiência, criei coragem e me inscrevi para participar do “Inconsciente Coletivo” (2015), e participei de duas edições (2015) e (2016). Ainda em 2016 realizei minha primeira exposição que aconteceu na Casa 97.

No ano de 2017 foram mais duas oficinas realizadas durante os eventos “Curta Otto” e “II Festival de Aikido e da Cultura Japonesa”. Neste ano, 2018 , me associei a AAPLAJ e decidi me desafiar e produzir e expor cada vez mais como artista. Está sendo um ano muito produtivo, participei de três coletivas de artistas que foram: “A Margem-Um olhar sobre o rio”, “Exposição Urban Sketchers Brasil – durante o III Encontro Urban Sketchers Brasil – Salvador/BA”, “Coletiva de Aquarelas do Grupo Observa Joinville”.

ARTE NA CUCA: Como surgiu a ideia de se dedicar a aprender a arte do origami e das dobraduras?

CRIS W: O origami entrou na minha vida quando eu ainda morava em Curitiba. Um dia, passeando pela feirinha do Largo da Ordem, encontrei uma expositora que dobrou e fez um Tsuru (Garça) minúsculo na minha frente e depois me deu de presente. Fiquei fascinada com aquilo! Um pedaço de papel quadrado virar um pássaro. Parecia mágica!

Ali mesmo na feira, falei para mim mesma que iria aprender a fazer aquilo de qualquer jeito. Então comecei a praticar por meio de livros e diagrama que encontrava na internet, também Fiz curso no Solar do Barão, em Curitiba, que gerou uma exposição coletiva no mesmo local. Assim eu fui aprendendo e desenvolvendo a técnica e depois a arte.

ARTE NA CUCA: O que foi e o que representa para você aprender essa técnica e essa arte milenar de origem oriental?

CRIS W: O origami é uma arte milenar que não tem sua origem muito definida. São muitas as teorias, mas foi no Japão que ela se desenvolveu tornando-se uma prática muito popular tanto para crianças como para adultos. O origami parte da sua forma mais tradicional, de um papel quadrado sem o uso de cortes ou cola (no caso do origami modular) segundo os praticantes puristas da técnica. “Já o origami pra mim, é uma grande paixão que pratico há mais de vinte anos e que está ajudando muito a tornar meu sonho de ser artista uma realidade”.

ARTE NA CUCA: As colagens e origamis que você produz e expõe em molduras são criações suas? De onde surgiu a ideia para essa produção?

CRIS W: Na época que comecei a fazer esse trabalho, queria fugir do que os praticantes da técnica costumam fazer, que são as peças tradicionais ou móbiles. Quando eu ainda morava em Curitiba, cheguei a fazer o que acredito ser a semente do que faço atualmente. Desenvolvi essas criações em molduras baseada na prática e por buscar maneiras de manter a vida útil do papel, já que se trata de um material frágil. Aos poucos fui aperfeiçoando o origami tradicional, pois na época não conhecia nenhum artista que usava o origami na produção dos seus trabalhos artísticos. Hoje já conheço alguns artistas, mas nada muito semelhante ao que faço.


Nono Bonote: o marceneiro das memórias

Seu Silvino Bonote, nascido em Lauro Muller/SC, aos 35 anos deixa sua cidade natal com a esposa dona Ignês e seus quatro filhos, em busca de oportunidades e de uma vida melhor escolhe  Joinville para morar. Na casa com jardim florido e quintal repleto de plantas e hortaliças, algo a mais chama atenção: A pequena oficina de marcenaria, lugar quase sagrado para esse senhor de 79 anos que há mais de 30 se dedica a arte de construir objetos em madeira.

Desde criança, conhece de perto o trabalho e aos 07 anos de idade já ajudava seus pais na roça. No caminho para a labuta, via os grandes carros de bois e carroças pelas estradas de barro a carregar diversos materiais como: madeira, cana e fumo. Conta que o tamanho dos carros com transporte de tração animal, sempre lhe chamava muita atenção, impressionavam pelo tamanho e pela quantidade de peso que os animais conseguiam carregar, além disso, ele mesmo na juventude teve carroça e trabalhou na lida com os carroções de boi. Mas a vida não era só trabalho, também havia tempo para as brincadeiras junto com os primos e irmãos, e era nessas horas que a criatividade e a inventividade afloravam. Vindo de família com poucos recursos financeiros, os brinquedos eram raros e os presentes que ele e os parentes ganhavam na época eram roupas, somente em datas especiais, como o natal.

Para se divertir era preciso inventar brinquedos, foi daí que passou a construir os seus próprios, começando por peças mais rudimentares como os famosos carrinhos de rolimã, espadas, estilingues e até uma bicicleta que também era de madeira. Relembra que no natal, quando criança, havia ganhado de presente dos pais, um violão de brinquedo, mas o mesmo era de papelão e depois de algumas brincadeiras, o objeto praticamente se desmontou.

Silvino: “Resolvi ir até a oficina do vizinho e fazer um violãozinho de madeira para mim, desses que quando você toca sai som, pois o meu, que era de papelão, não saia som nenhum. Fui olhando como era o violão de verdade, aprendendo a fazer o braço, no outro dia voltava na oficina e fazia a parte de trás…e assim foi indo, até ficar pronto. Quando terminei, eu tinha um violão de madeira que saia som de verdade e não se desmanchava feito o primeiro”.

As memórias guardadas desde os tempos da infância se transformam em lindas peças produzidas em sua marcenaria. O reaproveitamento de materiais como pedaços de tábuas, madeiras de demolição, móvel velho ou até troncos de árvores que foram podadas e que iriam para o lixo, nas mãos do artesão, viram rodinhas, copinhos, pilões, vasos ou carrinhos. Além disso, o “Nono” (como é chamado pelos familiares), também fez muitos brinquedos para os seis netos, desde balanças, carrinho de mão, cavalinhos de balanço e casinhas de boneca. Mas conta que hoje em dia os brinquedos e objetos produzidos em madeira não têm mais o mesmo valor que antigamente. “Não tem como concorrer com o plástico e as lojas de artigos de R$1,99, ninguém valoriza o trabalho e o tempo investido nas produções das peças.”

Autodidata, aprendeu o ofício de marceneiro por meio da observação e da prática. Suas peças em estilo rústico são repletas de significados e memórias, de alguém que passou boa parte da vida trabalhando no campo e da terra tirou seu sustento para viver. É por isso que nas peças de Silvino Bonote, torna-se possível identificar com certa frequência o carro de boi, a carroça, o pilão, a tina de vinho, o barril de cachaça, o caminhão carreta entre outros.

Reconhecer e preservar a memória através dos objetos é um meio de mantê-la viva para as futuras gerações e assim apresentar um pouco do que foi o passado, da história e de como ele pode contribuir para compreendermos o presente. Mas, mais importante do que a produção manual feita por Bonote, a riqueza está em ouvir suas histórias, o fazer se completa na fala e das trocas que surgem a partir de uma boa conversa.

Exposição discute racismo e preconceito nas escolas, “O Visível do Invisível” de Sérgio Adriano H.

O artista visual Sérgio Adriano H, está percorrendo  cinco escolas da cidade de Joinville de 08 a 31 de outubro com sua exposição/ação  “O Visível do Invisível”. O projeto conta com apoio do Sistema Municipal de Desenvolvimento pela Cultura – SIMDEC 2016, e a mostra que reúne 12 trabalhos, duas séries de seis intitulados “Preto de Alma Branca” e “Branco de Alma Preta”, que propõe estimular reflexões sobre arte e racismo dentro das escolas e nas comunidades que estão inseridas.

O artista falou ao ARTE NA CUCA sobre o início do projeto e seus desdobramentos, que segundo ele, iniciaram a partir da seguinte fala:

“O Visível do Invisível, iniciou em 2013 a partir da fala que uma pessoa fez para mim: “Você é preto de alma branca”. Nunca pensei na vida, principalmente no tempo em que vivemos, que eu ia ouvir algo assim, pois “preto de alma branca” dentro da minha interpretação, se trata de um preto que se tornou bom e “branco de alma preta” é uma pessoa que se tornou ruim. É um ditado popular.” 

Fiz as fotografias onde pinto meu rosto de preto com lágrimas brancas e depois de branco com lágrimas pretas e realizei a exposição dessas fotos na Coletiva de Artistas aqui em Joinville (2013). Na montagem dos meus trabalhos para coletiva, precisei da ajuda do meu irmão, que nunca se permitiu ir ao museu.  Nessa “obrigação” em me ajudar, ele percebeu que o museu poderia ser a casa dele e tempos depois, começou a estudar desenho na casa da cultura. Se me perguntarem porque meu irmão só se permitiu conhecer a arte em 2013, mesmo convivendo com alguém que trabalha com arte desde 2002, vou responder: “É que não fomos educados para as artes. Só fomos educados para trabalhar, construir família, ter um teto e se manter na vida.” Para discutir esses dois fatos, o racismo e a falta de acessibilidade e oportunidade, pois existem milhões de pessoas iguais a ele que nunca se permitiram ir ao museu ou a uma exposição de arte é que construí e estou executando esse projeto.

Ficou curioso e que saber mais sobre esse projeto incrível que leva arte e o artista de encontro ao público, diálogo, acessibilidade e ainda discute questões tão importantes como racismo, preconceito e Bullying no ambiente escolar? O ARTE NA CUCA conversou com Sérgio e trás com exclusividade mais detalhes sobre o impacto social e o poder transformador da arte na vida das pessoas.

Fotos: acervo do artista

ARTE NA CUCA: De que maneira o projeto foi desenvolvido, afim de que os trabalhos e o diálogo que você leva para as escolas estimulem reflexões sobre arte e racismo?

Sérgio A.H: “A ação acontece em três dias. No primeiro dia a ação é pensada para a comunidade. Visto meu terno e fico no muro da frente da escola com a exposição montada. Nesse momento começa a surgir um questionamento por parte das pessoas da comunidade ao se perguntarem o que são essas fotos e quem é essa pessoa de terno num dia de sol ou de chuva na frente da escola e por qual motivo  está vestido dessa maneira”.

No segundo dia, a ação acontece no interior da instituição, já com os alunos. Passo o dia todo com eles discutindo sobre as questões que dizem respeito ao racismo, preconceito, Bullying, e nesse momento eles descobrem que se trata de uma exposição de arte, uma exposição/ação/intervenção, e que o objetivo é fazer com que eles se questionem e reflitam a respeito dessa experiência”.

“O terceiro dia é destinado à oficina de fotografia para alunos multiplicadores. Queremos que eles possam transformar a informação e o aprendizado que tiveram durante os três dias e disseminá-lo entre familiares, amigos, vizinhos e toda a comunidade”.

 

Fotos: acervo do artista

ARTE NA CUCA: Segundo o texto curatorial, escrito por Franzoi Carlos, nesse projeto, a série de fotografias que compõe a mostra “O Visível do Invisível” é apresentada dentro e fora da escola. Como tem sido a reação dos alunos, professores e principalmente da comunidade ao se deparar com teus trabalhos?

Sérgio A.H: “Quando os alunos saem da escola e vão para casa, contam para os pais o que vivenciaram e acabam por responder os questionamentos dos próprios familiares no dia anterior, que se tratava de: “O que eram aquelas fotografias na frente da escola?” A partir daí inicia-se o diálogo em casa, onde o aluno é quem retira os pais e familiares da passividade e os coloca em questionamento ainda maior, como em uma engrenagem que entra em ação”.

 

ARTE NA CUCA: Foram selecionadas cinco escolas municipais de Joinville para receber a exposição e todo o trabalho educativo que se dá antes e depois da mostra. Houve algum critério na escolha dessas instituições?

Sérgio A. H: “Sim. Nos meus projetos, tento me inserir em comunidades em que de alguma forma fico sabendo já ter acontecido casos de racismo e preconceito dentro das escolas.  Às vezes a escolha se dá por aquela comunidade não receber ações e projetos voltados à arte e também pelo apoio e parceria da coordenação dessas instituições. Também houve um mapeamento onde eu quis me inserir em vários pontos, para que o trabalho em si, mas de maneira geral a arte, se descentralizasse. Durante a minha pesquisa de mapeamento para determinar quais escolas receberiam o projeto, contei com a participação e mediação da Priscila dos Anjos, que também é artista e arte-educadora e vivencia essa realidade por estar diariamente presente no ambiente escolar”.

 

ARTE NA CUCA: A partir do que você já pode observar dentro das escolas e das comunidades, como tens percebido o tema RACISMO e o tema preconceito em geral, sendo trabalhado pelas unidades? E como os alunos tem recebido esse novo jeito de abordar o tema – através da arte.

Sérgio A. H: “Recebo vários alunos que depois que conversam comigo, relatam casos de racismo na escola. Mas o mais interessante é perceber o quanto eles se fortalecem com essa exposição e todo o projeto, como se fortalecem através da minha fala e da conversa que tenho com eles, porque descobrem que não estão sozinhos. Ao mesmo tempo, percebem que existe alguém fazendo algo para que eles possam ser vistos,  para que o outro também entenda o que eles passam.  A fala do aluno é de agradecimento, porque acabo fazendo com que os colegas da escola entendam e visualizem o que é ser vítima de racismo.  Porque as pessoas abordam o racismo de forma errada e falam: “Você não pode fazer racismo!”. Mas ninguém fala sobre o racismo.  Quando somos retirados da condição do escutar para ouvir o que o outro está falando, ai dói. Existe muito caso de racismo em Joinville. As pessoas dizem: “Eu não sou racista”. Mas o que você faz para combater o racismo? O que você faz para combater o assédio? O que você faz por alguém que está sendo vítima de Bullying? Você faz algo ou porque não é racista, não comete assédio e nem pratica o Bullying, você se exclui? É preciso que você saia desse lugar em que te colocaram e  se coloque no lugar do outro para entender que o racismo e o preconceito existem.

Fotos: acervo do artista

ARTE NA CUCA: Algo bastante comum dentro da escola – principalmente nas aulas de arte – quando o assunto é RACISMO – e esse comumente está associado à cor da pele – é também a associação da cor salmão com o da pele humana.  Do ponto de vista artístico e pessoal, como enxerga essa questão e em que medida ela vai de encontro ao teu trabalho?

Para responder essa pergunta, preciso explicar sobre “verdade apresentada”, que é minha pesquisa como artista. Mas o que é uma verdade apresentada? É quando sua mãe fala: “Não deixe o chinelo se não  você vai morrer”, isso é uma verdade apresentada e quando vamos crescendo, descobrimos que era somente para deixar o chinelo organizado.

Mas existem outras verdades tão bem apresentadas que é difícil de duvidar. Alguém foi tão bem apresentado a um tom de pele que ela é superior a uma pessoa pelo tom de pele. Eu digo que essa pessoa foi tão bem adestrada e convencida que não consegue mais duvidar sobre isso e não duvidando, continua repetindo o racismo.

Faixa-etária: A ação do projeto foi pensada para várias turmas, não tem faixa-etária, mas é ajustado para cada idade e turma de alunos que participa. A conversa com as crianças pequenas acontece de um jeito mais lúdico e em tom de brincadeira, já com o ensino fundamental anos finais tenho uma outra abordagem, que vai ficando um pouco mais séria e com o público adolescente faço um terceiro caminho.

Gosto de pontuar que a conversa começa pelo racismo, perpassa o preconceito mas o importante é discutir a construção do ser, que tipo de ser humano nós estamos construindo. Mas muito, mas atrás, quando você vê uma criança de cinco anos falando para o seu coleguinha: Seu preto..seu amarelo..seu vermelho.  Ele fala isso, mas quem tá por trás? É os pais? É os amiguinhos? Ele viu isso na televisão? Muito mais que isso, ou indiferente se é os pais ou amiguinhos, nós temos uma sociedade que é super preconceituosa e essa fala está embutida.  Indiferente de qual seja a faixa-etária a estrutura é pensada para atender o público escolar. Para isso também pensamos e produzimos o material educativo para professores, materias de apoio para trabalhar com aluno antes e depois da passagem da exposição.

Oh, Céus! – exposição de Silvana Pohl no Garten

Nesta quinta-feira, 18 de outubro às 20 horas, no  Garten Shopping  recebe a mostra intitulada “Oh, Céus!”, da artista visual, Silvana Pohl que apresenta ao público seu trabalho através de 19 aquarelas em que o tema de sua pesquisa está sempre direcionado para a cor, beleza e enigma dos céus.  A exposição conta com a curadoria de Marc Engler e ficará aberta até o dia 06 de novembro.

Oh, Céus é a 12ª mostra individual de Silvana, a 1ª foi em julho de 2010 quando expôs na Secretaria Municipal de Educação, a artista apresentou seus trabalhos também na Biblioteca Pública, no Centro Cultural Brasil Estados Unidos e na Casa da Memória, além de diversas coletivas. Em maio a artista participou da Exposição Internacional FabrianoInAcquarello, em Fabriano, Itália. Silvana Pohl faz parte da Associação dos Artistas Plásticos de Joinville AAPLAJ desde 2017.

Estudou aquarela com Asta dos Reis de 2005 a 2008, curso de Desenho e Pintura na Casa da Cultura 2012 a 2014. Continua seus estudos como autodidata.  Busca referências e admira os trabalhos de grandes mestre da aquarela, no Brasil,  Marcos Beccari, Renato Palmuti, Antonio Giacomin, Ari de Góes Jr.  Nos EUA, Ali Cavanagh, Marney Ward, Jeannie Vodden, Heidi Parrinello, Thomas Schaller. Na Europa e Oriente, Mitko Yankov, Igor Sava, Igor Mosiychuk, Adisorn Pornsirikarn, Carol Carter, Anna Hammer, Nesta Musial-Tomasewska, Berhard Vogel, Elke Memmler, Shirley Trevena,  Viktoria Prischedko, You Mee Park, Milind Mulick, Endre Penovac e John Lovett, Ilustrou capas de dois livros da poetisa joinvilense Rita de Cássia Alves – “Ensaio de Pétalas” e “Pele Submersa” e ilustra o novo livro de Lair Bernardoni. Silvana compartilha seus conhecimentos da técnica da aquarela com seus alunos em seu atelier particular.

Sem dúvidas, é uma artista de muitos talentos que já é figura carimbada no nosso site, e por isso mesmo, decidimos fazer um “bate e volta” de perguntas e respostas com a DIVA da aquarela joinvilense, confere aí!

ARTE NA CUCA – COMO VOCÊ DECIDIU SER UMA ARTISTA AQUARELISTA?

SILVANA POHL – Desde a infância, sempre gostei de desenhar e pintar. Mas só me dei conta da aquarela como forma de expressão em fins dos anos 90, em especial por sua funcionalidade. Ainda não tinha consciência da técnica com sua valorização pela transparência. No início de 2000 fiz alguns anos de aulas com Asta dos Reis com quem comecei a aprender os princípios. Mas foram os anos de prática, meus estudos como autodidata, os cursos com mestres dessa arte e meu papel como instrutora que me tornaram mais conscientes dessa técnica difícil, mas fascinante por sua imprevisibilidade. O papel, a água e o pigmento são meus parceiros de trabalho e, muitas vezes, comandam os resultados.

ARTE NA CUCA – O QUE TE INSPIRA PARA PRODUZIR UM NOVO TRABALHO ARTÍSTICO? 

SILVANA POHL – São muitas ou poucas coisas.  Depende da perspectiva da qual se observa. Pode ser uma teia de aranha, uma folha descolorida caída no quintal, um “esqueleto” de folha que se decompõe, um inseto, a harmonia de cores de uma flor, a incidência da luz sobre uma paisagem ou um objeto. Os céus de Joinville! Essa é a magia de viver… a magia do olhar. Tem que ter olhos pra ver!

 

QUANDO: Abertura 18 de outubro às 20 horas. Visitação até 06 de novembro, de domingo a domingo, das 10 às 22 horas
QUANTO: entrada gratuita
ONDE: Garten Shopping – av. Rolf Wiest, 333, no Bom Retiro, em Joinville

Arte de Sérgio Adriano H que faz refletir se espalha pelo Brasil

Saído de Joinville, ele tornou-se o artista visual catarinense de maior evidência no País na atualidade

Sérgio Adriano H é um artista que usa o corpo para se expressar. E, ainda que absolutamente imóvel, cada músculo seu representa o desejo de atrair o olhar para o imperceptível. Sérgio também é um manipulador de palavras, que, mesmo represadas na garganta ou escondidas em afrescos, gritam de indignação perante uma sociedade que já não disfarça a hipocrisia. É assim, fazendo de si próprio o fio condutor do inconformismo, que Sérgio Adriano H. tornou-se o artista visual catarinense de maior evidência hoje no País, com mais de 90 exposições no currículo.

Para se ter uma ideia do alcance do trabalho do joinvilense, ele já participou de mais de 20 mostras somente em 2018, entre coletivas e individuais. São projetos no Brasil todo, principalmente em São Paulo, Santa Catarina, Brasília, no Rio de Janeiro e no Paraná. Em um ano, são duas bienais na conta (de

Curitiba e Brasília), e quando este tiver terminado, mais algumas participações terão elevado esse número, entre elas, a 8ª Bienal de Fotografia Documental da Argentina, a 46ª Coletiva de Artistas de Joinville e a exposição itinerante “Enigmas da Visão”, que passará pela Itália em 2019.

Além dessa quantidade incrível de convites e do conteúdo forte dos trabalhos, outra coisa que chama a atenção é a razoável rapidez com que Sérgio conquistou o reconhecimento nacional. Acredite, até 2011 ele era gerente comercial, e ainda que já tivesse um certo histórico artístico – ganhou o primeiro prêmio logo na estreia em salões de arte, em 2002 -, essa faceta corria em paralelo, pulsando, crescendo, esperando.

Em 2013, veio a virada: Sérgio decidiu dedicar tempo integral às artes e foi fazer mestrado em filosofia em São Paulo. Dois anos depois, formou-se, e não demorou muito para a carreira engrenar de vez. As performances, instalações, vídeos e fotografias de Sérgio se espalharam pelo Brasil, seja em espaços culturais renomados, seja em escolas e praças – graças a editais e premiações que ganhou -, apoiadas em três pilares: CORPO, PALAVRA E HISTÓRIA.

Um processo que mistura imagem (a do próprio artista) e crítica social, embasado, em boa parte, na filosofia. É dela que Sérgio tira e retrabalha um conceito batizado de “Verdade Apresentada”, baseado em crenças e hábitos tão enraizados que se tornam verdadeiros, mas que quando questionados, não têm base para isso.

“Parte do meu trabalho é desconstruir ‘verdades apresentadas’. “É deixar visível o invisível do racismo, do preconceito, da morte, que não é só física, mas moral e social”, diz Sérgio. “Quero comunicar sobre conhecimento. A gente soma conhecimento com o outro. Não fomos educados para ser formuladores de perguntas, fomos educados somente para responder perguntas. Porém, quero retirar o outro da passividade e fazer com o que mesmo entre em ação, formule perguntas, se questione sobre a arte e a vida”.

Nessa linha, dois projetos se destacam no já extenso portfólio de Sérgio. Um é “O Visível do Invisível”, instalação/intervenção urbana aprovada pelo Simdec e apresentada em cinco escolas públicas de Joinville. Nela, Sérgio fotografou a si mesmo chorando, ora com o rosto pintado de branco, ora com o rosto com tinta preta, numa metáfora à condição do negro, sua invisibilidade na sociedade e à escravidão.

“Ruptura do Invisível” foi contemplado no Edital Elisabete Anderle de Apoio à Cultura e apresentado em quatro cidades catarinenses, além de agendado para estar no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, no Rio de Janeiro, em 2019. Aqui, ele insere fotos de si em sabão em pó e água sanitária, o que resulta em outra imagem, disforme, numa alusão ao “embranquecimento” da sociedade brasileira.

Outra ação, ainda em processo, é “Palavra Tomada”. Na série de fotos, Sérgio aparece com letras de antigos carimbos na boca que formam palavras como “preto”, “viado” e “grite”. É, segundo ele, a representação do silêncio imposto a um segmento, especialmente negro.

“O desafio do artista não é aplainar o terreno, mas sim assinalar com clareza os acidades, as dificuldades, os  desafios. Cabe ao artista buscar sabedoria para si e para o outro, fazer com que os problemas aflorem, e não compor uma doutrina apaziguadora”, salienta, para então reforçar: “O conhecimento  liberta”.

Por tudo isso, e por manter um trabalho artístico engajado, contundente e em contínuo movimento, Sérgio Adriano H foi listado como um dos 30 artistas mais influentes do Estado no livro “Construtores das Artes Visuais: Cinco Séculos de Artes em Santa Catarina”. Seu trabalho, além de espalhado pelo Brasil e por outros países, se encontra nos acervos do Museu de Santa Catarina, do Museu de Itajaí, do Museu de Arte de Blumenau e em coleções particulares.

Enviado por:  Rubens Herbst

Os vários mundos de Roseli Ritzmann

Roseli Ritzmann é artista visual, graduada em História pela Universidade da Região de Joinville – Univille, também possui formação em história da arte e cerâmica pela Casa da Cultura Fausto Rocha Júnior. Desenvolve trabalhos artísticos em diversas linguagens como pintura, desenho, colagem, gravura, instalação, livro de artista, entre outros. Inquieta e pesquisadora, está sempre se dedicando a aprender e aperfeiçoar sua técnica e pesquisas relacionadas as artes visuais, mas o que muitos não sabem, é que ela ainda encontra tempo para produzir e se dedicar a outra paixão: Os fantoches de bonecos.

A artista conta que começou a produzir seus primeiros fantoches a quatro anos atrás, inspirada na condição intelectual de seus alunos, quando ainda trabalhava em uma instituição educacional da cidade. “Trabalhei com inclusão de deficientes intelectuais, e os fantoches de material reciclado das oficinas de arteterapia sempre renderam boas histórias nas mãos deles. Então percebi que seria algo muito interessante e importante direcionar minha criatividade na elaboração de fantoches.”

Sua produção foi sendo aperfeiçoada aos poucos, das primeiras peças feitas com material reciclado, passou para os fantoches de feltro e logo depois para os de espuma, que tem aproximadamente 40 cm e que inicialmente eram tingidos com tinta spray ou acrílica. A colagem das partes era feita com cola de silicone, mas em suas pesquisas, Roseli descobriu que o ideal é a cola de sapateiro. A estrutura dos fantoches de espuma é sempre a mesma, o que vai mudar e torna-los únicos e especiais é a caracterização que ela dá para cada um. É como se cada um deles fosse seu “filho único”, sempre um detalhe especial, algo diferente que só aquele fantoche terá, por mais que todos se pareçam, sempre haverá uma marca de nascença escondida em algum lugar.

Todas as mudanças, pesquisas e aperfeiçoamentos, fizeram com que seus fantoches se tornassem cada vez mais resistentes, visualmente interessantes e lúdicos. Atualmente a artista conta com dois ateliês em sua casa, um para as artes e outro para os fantoches, que agora podem ser de bonecos, sapos, palhaços, bichinhos e outros seres frutos da imaginação daquela que lhes trás ao mundo.

No ano de 2014, os fantoches já faziam parte de sua vida tanto quanto a arte, e Ritzmann decide sair da sala de aula, para transformar a atividade em negócio. Abre a empresa Popilu, que além dos fantoches, desenvolve jogos didáticos e brinquedos educativos. Todos os produtos são confeccionados e vendidos em seu ateliê e também nas feiras em que participa. “Os fantoches de feltro costumam ser adquiridos para as crianças, já os fantoches de espuma (40cm) é um produto bastante procurado pelos professores e principalmente por educadores de igrejas”

Os fantoches podem ser um excelente recurso lúdico e pedagógico, para pais, psicólogos, educadores, professores e artistas quando se trata de tentar transmitir uma mensagem, além de auxiliar no desenvolvimento da expressividade, atenção, trabalho em equipe, coordenação entre outros benefícios. O teatro em si, mas especificamente os de fantoches, podem ser trabalhados com todas as idades, pois não exigem muitos movimentos do corpo, beneficiando crianças, jovens, adultos e idosos. É preciso apenas deixar a imaginação fluir e assim como Roseli, ter sensibilidade para perceber que são das necessidades e das adversidades de nossas vidas, que surgem os caminhos e as oportunidades, e a partir daí é só ir lapidando os diamantes.  Roseli Ritzmann é exemplo de artista que expande sua pesquisa, produção e conhecimentos para outros campos e não se dá por satisfeita, adquirir um dos produtos da Popilu é mais que comprar um brinquedo, ou um fantoche qualquer, é levar uma obra de arte para casa.

Fotos: Walmer Bittencourt Junior e Celiane Neitsch

Exposição de Rosi Costa traduz o feminino em paisagens

A artista visual Rosi Costa inaugura a exposição Durante o trajeto no Garten Shopping de Joinville no dia 13 de setembro, quinta-feira. A mostra pode ser vistada gratuitamente até o dia 17 de outubro e reúne onze telas com pinturas que representam a subida do Morro do Boa Vista em direção ao mirante.

Conhecida por suas pinturas de orientação figurativa, mas também por trabalhos de abordagem contemporânea com objetos, performances e instalações, a produção artística de Rosi Costa costuma propor reflexões a respeito do universo feminino e leituras críticas sobre o papel da mulher na sociedade. A ênfase em paisagens dada pela exposição Durante o trajeto é uma versão livre dessa mesma temática, inspirada por Winnie, personagem parcialmente enterrada na peça de teatro Dias felizes, escrita por Samuel Beckett. Das onze telas apresentadas no Garten, dez compõem cinco duplas que se aproximam formalmente com pinceladas, tonalidades e texturas semelhantes.

Além de artista filiada à Associação de Artistas Plásticos de Joinville (AAPLAJ), Rosi Costa é professora de pintura, de desenho e de técnicas sobre tela. Graduada em Pedagogia e em Artes Visuais, tem pós-graduação em Metodologia do Ensino da Arte e atua desde 2001 no processo de orientação de trabalhos em arte no seu ateliê em Joinville. Suas primeiras participações em exposições coletivas datam de 2012, embora a artista também tenha feito pequenas mostras individuais em espaços não oficiais.

Por e-mail, a artista falou ao ARTE NA CUCA sobre seus temas, sobre sua trajetória e sobre a sua motivação para montar a exposição Durante o trajeto.

Foto: Gleber Pieniz

Durante o trajeto é tua primeira exposição individual. Por que escolheste este grupo de trabalhos para expor e uma sala de shopping center para fazer a tua estreia?

Embora nos últimos anos eu esteja participando de muitas exposições coletivas, há uns anos atrás já fiz exposições individuais na cidade: Câmara de Vereadores, shoppings, biblioteca pública municipal, Faculdade Cenecista de Joinville e Detran. Joinville carece de espaços para exposições e a AAPLAJ em parceria com o Garten Shopping vem valorizando e abrindo esse espaço para que os artistas da cidade tenham a oportunidade de apresentar suas produções. Penso que esse apoio à classe artística merece o retorno dos artistas, levar a arte para espaços públicos e apresentar à sociedade a arte que se produz aqui.

Tua poética ja é conhecida pelas formas figurativas, pelo tema da mulher e pela leitura crítica do universo feminino. Como estas paisagens dialogam com a tua produção habitual? Como esta exposição se encaixa na exploração da tua temática, no desenvolvimento da tua pesquisa?

Inspirada na peça de teatro Dias felizes de Samuel Beckett, onde uma mulher fica presa em um morro, comecei a fazer esse diálogo com minha poética pensando nas montanhas que impedem as mulheres de buscarem serem felizes. No final do ano passado realizei na subida do morro do mirante uma intervenção artística com interação das pessoas que circulavam ali. Como esse espaço me transmite uma meditação ativa e uma reflexão sobre a minha pesquisa, representei essas subidas, curvas e sensações em pinceladas, cores, luz e formas.

Foto: Gleber Pieniz

A pintura é tua forma expressiva mais familiar, embora você tenha se destacado em exposições coletivas com trabalhos híbridos de abordagem contemporânea. Como se dá esse trânsito entre um e outro enfoque na tua arte?

Gosto de me expressar em muitas linguagens. O universo feminino e as reflexões em torno dele me fazem ora querer me expressar de uma forma, ora de outra forma, fluindo de uma para outra abordagem sem conflitos, porque a base poética é sempre a mesma.

Ainda que representem um mesmo lugar e um mesmo ponto de vista, as telas desta exposição se agrupam em pequenos conjuntos que diferem entre si na forma, na cor e no gesto. Como isso acontece na tua pintura?

É interessante que quando se sobe o morro do Boa Vista em direção ao mirante, cada curva surpreende de maneira nova. Na verdade são vários pontos de vista, a próxima curva é diferente da anterior, e essa percepção está representada nas pinturas a partir de pinceladas e cores diferentes. Sou muito intuitiva e ágil no processo e no gesto pictórico, é uma característica pessoal e essa característica fez com eu tivesse que me conter e repensar. Quando me dedicava à pintura dessa série, pintava duas telas de cada vez e esse resultado se percebe claramente observando o conjunto dos trabalhos. Procurava dar esse tempo e me dedicar a outros processos da minha produção e depois retornar para conseguir essa expressividade.

DIA: 13 de setembro
HORÁRIO: 20 horas
VISITAÇÃO: até 17 de outubro, de domingo a domingo, das 10 às 22 horas
CUSTO: entrada gratuita
LOCALIZAÇÃO: Garten Shopping – av. Rolf Wiest, 333, no Bom Retiro, em Joinville

Um rio em aquarelas: entrevista com Silvana Pohl

A Associação de Artistas Plásticos de Joinville (AAPLAJ) recebe a exposição A margem – um olhar sobre o rio até o dia 6 de setembro. A mostra coletiva conta com trabalhos em fotografia, vídeo, performance e instalação de 21 artistas que integram o grupo Parque da Bacia do Cachoeira. Em paralelo e utilizando como referência imagens fotográficas de A margem, acontece a mostra de aquarelas produzidas pela artista Silvana Pohl e também pelas alunas de seu ateliê Eugênia Lee, Solange Voos, Solange Prata, Sandra Lúcia Tanner, Tânia Mara Reis, Cristina Walter e Ingeborg Büchli.

Silvana Pohl conversou com o ARTE NA CUCA a respeito de seus primeiros contatos com a arte, sobre a persistência na profissão de artista e professora e sobre sua relação com a aquarela.

Qual é sua história com a arte? Em que momento percebeu que ela estava presente em sua vida?

Quando era criança meus pais não tinham condições de comprar materiais de arte. Eu ganhava o básico, lápis de cor e, no máximo, giz pastel mas nada de muitas folhas para treinar. Com aproximadamente 12 anos eles me matricularam na Casa da Cultura e lá tinha um ateliê livre de cerâmica com aulas ministradas pela professora Marli Swarowsky e quem nos auxiliava no manuseio do forno era o Mário Avancini. Fiz um ano de ateliê porque a ideia que minha família tinha era me matricular para aprender atividades funcionais e não artísticas. Eu queria fazer outras coisas diferentes. Enquanto meus colegas de turma aprendiam a modelar cabeças e vasos, eu tinha vontade de transformar o barro em bichos. Depois, aos 14 anos, fiz aulas particulares de pintura em porcelana com Lourdes Hardt. Nesse meio tempo casei, construí minha casa e iniciei um curso de desenho de perspectiva no Centro XV, onde permaneci por um ano. Já a pintura em tela eu aprendi observando o trabalho da minha irmã, mas foi muito autodidata, sempre fui intuitiva: para mim foi fácil aprender o tridimensional, o desenho era algo inato, mas sempre gostei de aprender. Também tive a fase de trabalhar muito e quase não conseguir me dedicar às atividades artísticas, pois fui funcionária pública durante 32 anos e lecionei para alunos de primeira a quarta série, além de exercer outras atividades dentro da escola.

Como você se descobriu como aquarelista?

No final da década de 80, lembro que passava minhas férias na praia do Ervino, local onde não havia muita infraestrutura. Portanto, sempre que voltava para Joinville tinha que trazer tudo de volta com medo de que a casa fosse roubada porque ninguém morava lá. Eu já gostava muito de pintar, mas precisava de materiais que fossem funcionais, pois telas e cavaletes não eram muito viáveis nessa situação. Percebi que a aquarela possibilitava essa praticidade, mas não entendia a técnica e naquele momento o que fazia era basicamente colocar tinha em cima do papel. Só passei a realmente compreender a técnica e explorar as possibilidades da aquarela quando iniciei minhas aulas no ateliê da artista Asta dos Reis, de 2003 a 2007, e depois disso fui para a Casa da Cultura onde continuei tendo aulas de aquarela com a mesma professora.

Você se considera uma artista figurativa? Até que ponto se permite ousar em suas pinturas em aquarela?

Na verdade meu trabalho é figurativo porque é a linha que escolhi seguir, mas por mais que eu tente controlar a pintura em aquarela, ela sempre me desafia e surpreende.

Como surge a ideia para cada novo trabalho seu?

A maioria das imagens são fotografias minhas, procuro fazer esses registros no final do dia para aproveitar a luz, às vezes passeando com meu cachorro. Estou sempre atenta aos detalhes: folhas, céu, nuvens, flores, tudo vira inspiração.

A aquarela permite erros?

Ela permite pouquíssimos erros. Inclusive, depende muito do papel, pois com muita celulose não permite erro nenhum, pode rasgar e começar do zero. Agora, se o papel tem mais fibra de algodão, é possível recuperar mas depende muito do pigmento que você aplica. Sempre falo para minhas alunas no ateliê que precisamos estar em um espírito de laboratório pois o erro serve para nossa experiência.

Como foi o processo de criação e desenvolvimento dos trabalhos que estão em exposição na AAPLAJ?

As aquarelas foram feitas a partir das fotos tiradas pelo grupo Parque da Bacia do Cachoeira, e eu e minhas alunas pensamos todo o desenho, a luz, as paletas de cores para desenvolver as imagens que fazem parte da mostra. Para tal é preciso ter certo domínio da técnica pois utilizamos a mesma imagem, mas modificamos as cores e as sombras para conseguirmos novos efeitos. Foi um trabalho de muita pesquisa, gratificante para todas nós.

ANC entrevista: Denise Torrens Nunes

Foto por: Walmer Bittencourt Junior

Dedicada, determinada, mulher, mãe, esposa, artista, arteterapeuta e arte-educadora, Denise Torrens Nunes é tudo isso e muito mais. É alguém que sabe o que quer e corre atrás dos seus objetivos. Na entrevista que concedeu ao ANC falou sobre carreira, seu ateliê novinho em folha e principalmente sobre a descoberta de uma paixão: A arteterapia.

ANC: Como iniciou seu primeiro contato com as artes?

DENISE: A história é bem longa…(risos). Foi a partir das aulas da Casa da Cultura “Fausto Rocha Júnior”, quando resolvi fazer o  curso de cerâmica, paixão a primeira vista. Fiz o curso regular de três anos as aulas de cerâmica na modalidade ateliê, além de outros cursos, como o de porcelana, desenho, pintura, história da arte e tecelagem. Inclusive participei de um grupo de estudos em história da arte.

Vida que segue, trabalhei por muito tempo com a confecção de lembrancinhas para todos os tipos de ocasiões. Mas sempre envolvida com arte, montei um ateliê de festas, trabalhava com festas temáticas e lembrancinhas mas a coisa chegou a tal ponto que no final já fazia a festa completa, decoração, montagem, lembrancinhas e alimentação. Isso aconteceu até o momento em que falei para mim mesma que queria voltar a estudar e fazer curso de arte. O primeiro filho já estava criado e eu tinha mais tempo para mim, o ano era 1998.  Como eu já tinha a graduação em história, não precisaria fazer vestibular para iniciar um novo curso, naquele ano a FURJ estava mudando para UNIVILLE. Nessa empolgação toda, descobri que estava grávida do meu segundo filho, então dei mais um tempo, não era o momento certo.

Meu segundo filho nasceu prematuro e tivemos algumas complicações, meu bebê precisava de mim, da minha energia e presença, não consegui me dedicar as artes durante esse período e fiquei seis meses vivendo a experiência de ser mãe. Depois disso, tomei coragem para seguir outro rumo, uma fase de mudanças. Vendi todo o meu estoque de material para trabalhar com festas e terminado todo esse processo que foi cuidar do meu filho e de mim mesma, novamente coloquei em minha cabeça que eu queria me envolver ainda mais com arte, até que surgiu um curso de designer de interiores em Joinville – fui fazer o curso, me formei e trabalhei muitos anos na profissão, mas ainda não era a arte que eu tanto buscava.  

Mesmo trabalhando na área de design, não abandonei a cerâmica, sou associada da AAPLAJ (Associação dos Artistas Plásticos de Joinville) e participo do NAF (Núcleo Arte do Fogo), que é um grupo de ceramistas que se reune uma vez por semana e trabalha a argila, cada qual com sua poética, dentro de sua perpectiva artística, mas com trocas de experiências e muito empenho em prol da arte. Depois de todo esse tortuoso caminho, finalmente fiz artes visuais, emendei uma especialização em arteterapia, que me rendeu uma nova carreira profissional. Hoje posso dizer que estou realizada,  estou trabalhando em meu ateliê com cerâmica, tecelagem e ministrando aulas e ainda sessões de arteterapia.

 

ANC: O que te motivou a pesquisar e  a buscar formação em arteterapia? Nos conte um pouco mais a respeito.

DENISE: Acredito que  a arte faz parte da vida de todos nós. Vi na arteterapia  a junção de várias motivos para usar da arte como meio de transformação. O arteterapeuta trabalha com algo muito importante, o poder de criar.  Se baseia em várias formas de expressão artística com finalidade terapêutica .Sempre tive curiosidade sobre como a arte pode ajudar no autoconhecimento de cada pessoa.  A expressão artística pode revelar sentimentos e emoções muito profundos, pode ser aplicada a todos os públicos, de crianças a idosos. Meus público alvo no momento é justamente o idoso institucionalizado.  Após terminar o estágio da especialização, que fiz em um lar de idosos fui contratada para atuar junto a esse público. Num primeiro momento trabalhava apenas como arte educadora (pois ainda não estava formada) e agora já atuando  como profissional arteterapeuta. Confesso que estou me realizando, juntei minha paixão antiga com uma nova. Ser arteterapeuta é cuidar terapeuticamente por meio da arte.

É muito importante perceber como se pode fazer a diferença, principalmnete quando se trabalha com um público carente de atenção e afeto, que muitas vezes se considera a margem do convívio social e familiar. Foi um começo difícil, entre os idosos existia um certo preconceito,  ouve-se muitos comentários que desenhar e pintar é “coisa de criancinha” Mas com muita paciência e dedicação os resultados aparecem, cria-se um elo de confiança entre arteterapeuta e atendido que faz a diferença para o processo caminhar.

ANC: Com a finalização da especialização e do seu projeto de estágio, os grupos que você acompanha/atende  continua o mesmo?

DENISE: Tenho dois focos de atuação, um deles é no meu ateliê, onde atendo todo e qualquer público, trabalho com aulas de cerâmica, tecelagem e agora já formada e regulamentada como arteterapeuta, posso associar as aulas que mencionei com a arteterapia em ambiente de ateliê, pois ambas são modalidades muito expressivas e altamente terapêuticas, como também trabalhar somente com a arteterapia ,assim como outras formas de expressão artística. Cada atendido é único e ele define por qual processo quer passar, mas todas as pessoas que iniciam nas sessões de arteterapia preferem ficar trabalhando dentro desse contexto terapêutico no ateliê. Mas é livre e negociável, como fica melhor para cada pessoa.

 O segundo foco de atuação é no lar de idosos onde trabalho três vezes por semana. Atendo os idosos que já participavam do estágio bem como todos os outros, pois muitos são acamados e eu faço uma adaptação para fazer acontecer o processo arteterapêutico igualmente a todos.  Quando se trabalha com idosos tudo deve ser adaptado , desde o usos de materiais até a sessão propriamente dita. A participação é voluntária, hoje quando chego no lar para trabalhar não preciso mais passar de quarto em quarto para solicitar a participação dos idosos, normalmente já estão esperando  em uma ansiedade visível ,para fazer aula de artes, como eles gostam de falar. As atividades são dinâmicas e quase sempre bem aceitas, não gostam de alguns tipos de materias, como a argila, que eu particularmente como ceramista, gostaria muito de trabalhar, mas não funciona e quando quero trabalhar com modelagem, uso outros tipos de massa, é assim que se faz as adaptações, massa de sal, massa de trigo para fazer bolachinhas são ótimas para explorar aspectos do inconsciente, trazendo a tona um conteúdo que está muito bem guardado, é um conteúdo sombrio  nem bom nem ruim, que pode e deve ser resignificado em uma nova roupagem, promovendo a cura interior de cada um.

As linguagens mais aceitas por eles são desenho, pintura, recorte colagem e culinária, todos gostam muito.   O grupo as vezes sofre perdas, sempre estou competindo com indisposições, consultas médicas, visitas inesperadas entre outros fatores. Mas a participação é sempre voluntária, só assim com boa vontade que se consegue chegar  aos conteúdos que o insconciente reserva. Também fazemos passeios com os internos, todos os que tem condições de sair são convidados, é quase uma aventura em meio a cadeiras de rodas e andadores, mas uma experiência muito significativa para todos. Visitamos recentemente a exposição em que eu participei na AAPLAJ (“Memória de moças bem-comportadas” – 2018).

Na sua grande maioria os idosos nunca foram a uma exposição, ao cinema, ou ver o mar, ou mais simples ainda alguns deles nunca tinham usado lapis de cor, giz de cera – nem conheciam. Foram apresentados no momento do meu estágio. Eu uso muito material reciclado, eles ficam admirados quando eu falo que vamos pintar com pincel diferente, um pincel feito por eles, é muito especial, pois cada um consegue acreditar no seu potencial, dentro do seu contexto, e eu na função de arteterapeuta apoiando essa descoberta. Émuito gratificante apresentar algo tão novo, tão simples, a quem acredita ter poucas perspectivas.  Eu aprendo muito com eles, sempre comento com o grupo.

ANC: Logo na primeira pergunta você menciona que passou por diversas ocupações e trabalhou em áreas afins, com seu trabalho como arteterapeuta podemos dizer que finalmente a Denise se “encontrou” em uma profissão?

DENISE: Ah, com certeza! Eu penso que minha relação com a arteterapia já vem de muito tempo, pois quando fazia cerâmica desde os primórdios  do meu caminho como ceramista, já tinha esse contato mais íntimo e sempre me fez muito bem trabalhar o barro que é extremamente terapêutico. A argila por si só, já é um material fantástico, vivo, respeito muito esse material,  em que você consegue trabalhar até certo ponto, depois ele (o barro) diz: Chega! Agora sou eu. E então você não consegue mais fazer somente o que quer, respeitar o tempo da argila, ter paciência para que o processo aconteça. É assim na arteterapia também.

ANC: Como é essa sua relação com o barro?

DENISE: Respeito a vontade do barro. Trabalho em uma peça até certo ponto e quando vejo que está no limite, paro de mexer . Um exemplo fácil para que compreendam minha relação com esse material, é quando abro meu forno e percebo peças que estão trincadas. Não gosto de consertar,  de arrumar, aceito o que o barro e o forno me apresentam, o que o universo me entregou. As vezes chego no ateliê, vejo que algo não ficou bom, simplesmente jogo no chão e quebro e então vai virar outra coisa. Não sofro por algo que a princípio não deu certo da maneira que eu esperava. É um processo de carinho, doação e interação – “amor e ódio”.

Foto por: Walmer Bittencourt Junior

ANC: Sobre seu ateliê, você iniciou fazendo atendimento terapêutico ou ministrando aulas de arte como estamos acostumados a vivenciar?

DENISE: Comecei somente ministrando aulas de cerâmica e tecelagem, que ainda acontecem, porém com o interesse maior na arteterapia, pois ainda estava cursando a especialização, então não tinha licença para aplicar as práticas terapêuticas, e eu ainda estava aprendendo como dar um suporte emocional a pessoa que busca uma sessão. Sempre fui e continuo muito ética. É preciso trabalhar de maneira muito consciente e cuidadosa, zelosa por todo o conteúdo que o atendido confia ao arteterapeuta,  pois muitos conflitos vem à tona. Conteúdo não verbalizados e expressos nos desenhos, nas pinturas, e em todo o tipo de material que disponibilizo. Falar não é necessário, pois muitas vezes verbalizar é muito difícil, um processo sofrido. Agora sim, certificada o espaço está aberto para o atendimento voltado ao lado terapêutico.

 

ANC: O que  podemos encontrar no seu ateliê?

DENISE: Encontrará um ambiente seguro, agradável  e com acessibilidade. As vezes não se sabe o que quer, mas na arteterapia somos livres para experienciar, livre  da estética, não existe feio ou bonito no contexto arteterapêutico. Toda expressão plástica é carregada de símbolos e esses símbolos após resinificados, o atendido tem condições de encontrar seu norte, seu equilíbrio.  Eu também possibilito experiências em tecelagem e argila, como aulas…mas tudo depende da necessidade e do que o atendido deseja. O meu objetivo é trabalhar o processo terapêutico rumo ao autoconhecimento, ao prazer de viver e de se cuidar terapeuticamente.

ANC: E as aulas dedicadas apenas ao ensino das práticas artísticas?

DENISE: Atendo em horários diferentes para cada situação. As aulas e as sessões podem ser em grupo ou indivdual, tanto a arteterapia quanto as aulas que visam apenas o ensino de alguma modalidade artística.

ANC: Como acontecem essas sessões? O aluno participa de aulas experimentais?

DENISE: A pessoa pode fazer uma aula ou uma sessão experimental, ou as duas situações.

ANC: Você também recebe crianças para sessões de arteterapia?

DENISE: Sim. Trabalho com todos os públicos.  O lúdico é muito explorado, a criança não tem preconceito, gosta de todos os materiais, lógico salvo em situações específicas de doenças  ou qualquer outra advesidade, mas tudo sempre pode ser – e é adaptado.

ANC: E quanto ao investimento e materiais?

DENISE: Vai depender do que a pessoa  procura e quer. Cada situação tem um valor, aulas de tecelagem tem um valor de mensalidade e taxa de material, a pessoa não precisa trazer nenhum material, tudo está a disposição no ateliê. Já a cerâmica tem igualmente um valor de mensalidade e a pessoa fica livre, pode comprar a argila e outros materiais no ateliê, e usar suas ferramentas, como pode usar as ferramentas que são disponibilizadas, queimas são cobradas separadamente. Trabalho com pacotes específicos para cada situação.

Foto por: Walmer Bittencourt Junior

ANC: Quantas pessoas  é possível atender no ateliê atualmente?

DENISE: Posso atender grupos de 05 pessoas por sessão/aula, em todas as modalidades.  Além de ministrar aulas individuais se for da vontade do cliente.

ANC: E quanto aos horários das aulas e das sessões?

DENISE: As aulas  acontecem segundas das 08:30 as 11:30 e as terças das 08:45 as 11:45 hs. Para tecelagem e cerâmica respectivamente.  Para atendimento em arteterapia é agendado previamente. Porém os horários podem sofrer alteração conforme a necessidade.

ANC: Queremos saber um pouco mais da Denise artista, como está esse seu outro lado?

DENISE: Fiz minha primeira exposição individual em 2012, na AAPLAJ, participando do projeto “Lançamentos”, na época coordenado pela artista Linda Pool e que contou com a curadoria de Miriam da Rocha. Participo ativamente da associação, faço parte do NAF – Núcleo Arte do Fogo da AAPLAJ, que se encontra semanalmente, cada artista produz dentro de sua poética, mas as trocas de experiências entre as ceramistas são constantes. Uma vez por ano temos a exposição do grupo, nesse ano será em novembro, já comecei as pesquisas para essa exposição, atualmente sou a cordenadora do NAF na gestão 2018/2020.

Já na tecelagem desenvolvo tecidos com a interferência de materiais que podem conversar entre si, fios, lã, barbantes, e tudo a mais que pode servir para tecer.  Minha produção vai de carteiras de mão, bolsas, passando por vestuário, entre mantas, echarpe, chalés,são todas peças exclusivas. Mas no momento meu coração bate mais forte com e pela arteterapia. Porém, não consigo ficar longe da cerâmica e da tecelagem, sou muito inquieta, sempre procuro produzir mesmo que peças pequenas, é uma necessidade, funciona como minha terapia e me fortalece. Atualmente como artista, estou participando das exposições coletivas que acontecem na AAPLAJ em destaque a mostra que está sendo exibida no galpão da associação, a exposição “Proibido para menores de 18 anos – Favor não insistir. ”

ANC: Seu trabalho é sempre figurativo ou tem peças que seguem para a linha do abstrato?

DENISE: Depende muito do momento, mas minhas peças não são obras de grande porte, produzo peças em cerâmica de porte médio a pequeno,  não é um trabalho robusto, é mais rústico que delicado, mas gosto de interferir com materias diferentes e inusitados. Não existe peça com defeito, sim com efeito, me desafio cada vez que uma peça sai do forno com uma trinca ou uma esmaltação que não saiu como o previsto. É sempre uma surpresa abrir o forno e se defrontar com o resultado. Já tive muitas fases,  mas meu fio condutor é único, me vejo nas minhas peças, mesmo quando trabalho uma encomenda.

ANC: Para finalizar nossa entrevista queremos saber sua opinião sobre o espaço que a cerâmica e os ceramistas tem dentro das instituições de arte da cidade? (Vale locais alternativos).

DENISE: É ainda muito difícil. A cerâmica é uma arte que requer muitos cuidados na hora de produzir, pois o processo é longo, as peças demoram  para ficarem prontas. Além do que podemos perder todo o trabalho a qualquer momento, passar por duas ou mais queimas a altas temperaturas. Na hora de expor, também requer cuidados.  São peças sensíveis, existe uma preocupação em relação ao suporte, e onde serão expostas. E por fim existe ainda um preconceito em relação ao material, as pessoas desconhecem o valor da argila, desvalorizando a obra de arte feita de barro.  Os espaço são ainda escassos e muitos não apoiam a cerâmica como arte e sim apenas como artesanato, inviabilizando a exposição das obras.