Você está mexendo no celular e se depara com reels ou memes que brincam com distintos períodos no tempo, mas na verdade falam do presente. Numa dessas, vi um meme do clássico filme RoboCop de 1987 em que a trama percorre um futuro próximo na cidade de Detroit, EUA. Nela, o policial Alex Murphy (Peter Weller) é “morto” em serviço e acaba sendo ressuscitado como RoboCop, o ‘policial do futuro’. O meme basicamente brincava com a ideia de que “pelo menos você não morreu trabalhando e ressuscitou para continuar na labuta”, como ocorreu com Murphy. O que aliás, poderia ser um ótimo slogan neoliberal, “ganhe uma segunda vida e trabalhe em dobro”. Afinal, não há pobreza que resista a quatorze horas de trabalho, já imaginou duas vidas?
RoboCop (1987)
O filme critica exatamente esse sentimento, o de que empresas estejam tomando todos os espaços da vida através de privatizações, corrupção e controle do Estado, talvez até do imaginário coletivo e aumentando drasticamente o grau de exploração. Não me parece muito distante da nossa realidade, vez que não há um governo que não tenha privatizado ou mesmo exista um espaço que não esteja na mão de monopólios, caso das chamadas bigtechs, redes sociais e especialmente o entretenimento, por exemplo. Ao ponto em que atores, roteiristas, diretores, entre outros trabalhadores de Hollywood estejam refletindo sobre a ideia da morte, ou melhor, de ser digitalizado e por consequência deixar de existir na indústria cinematográfica.
Tudo indica que as grandes empresas do cinema estejam fazendo com os atores e artistas o que a OCP (Omni Consumer Products) fez com Murphy em RoboCop, ou até pior, pois nessas versões digitalizadas os atores e atrizes não receberão nem ao menos salário e terão a sua imagem reproduzida infinitamente. Talvez alguns grandes astros obtenham direito a royalties. Quem sabe até mesmo os roteiros não sejam mais escritos por seres humanos ou nem sejam mais necessários trabalhadores da área. A IA (Inteligência Artificial) está tomando o espaço das pessoas? Será que em algum tempo não perceberemos mais a diferença entre IA Generativa e humanos? As greves em Hollywood podem ser análogas a realidade de outras profissões ou não passam mais de um medo passageiro com as novas tecnologias? Se procura por respostas, observe o interesse de cada grupo envolvido, afinal é sim uma luta entre classes.

Atores em Hollywood, inclusive os astros, têm criticado os executivos que nada fazem, não possuem talento algum, mas lucram de forma exorbitante em relação a quem de fato produz. Já ouviu essa história? Você encontrará em uma das obras mais profundas já produzidas pela humanidade: nos memes de Larissa Manoela. Afinal de contas a empresa não é uma família?
Parece que o velhinho de barba estava certo, tanto o que dividiu os pães quando aquele do manifesto. Enfim, os atores estão sendo ressuscitados e trabalharão infinitamente. Na minissérie Wandavision (2021) alguns destes artistas foram digitalizados e pagos somente por um dia, mesmo que suas imagens pudessem ser utilizadas em outras ocasiões. Uma das artistas relembra o ocorrido: “Levantem as mãos. Mãos à obra. Olhe assim, agora assim. Deixe-nos ver o seu rosto assustado. Faz cara de surpresa.”
É muito interessante como nossos futuros são retratados e muitas vezes espelham a nossa realidade, caso do filme O Congresso Futurista (2013).
O Congresso Futurista, dirigido por Ari Folman e estrelado por Robin Wright, tinha como enredo a história de uma atriz em fim de carreira que seria digitalizada para que pudessem criar atuações originais sem a necessidade da própria artista, como parece ocorrer atualmente. Destacando que o filme é de 2013.
Um dos personagens afirmaria: “no futuro o cinema incorporará o subconsciente do espectador”, antevendo um aprofundamento entre emissor e receptor, algo que ocorre em jogos eletrônicos através da participação, interação, assimilação de dados e agora com o envolvimento de uma nova geração de inteligência artificial.
Ainda, a trama do filme faz uma crítica a uma indústria da cultura que subverteria a realidade ao incorporar simulações com base em uma indução de desejos nos espectadores. Para ficar mais claro, na película, é possível absorver uma espécie de droga que possibilitaria a imersão em espaços alternativos e a incorporação de personagens icônicos do cinema, uma metáfora para algo que poderia ser chamado de “metaverso”.
Ou seja, o produto critica tanto a forma ao atualizar os meios de exploração da arte, quanto a alienação projetada por esta indústria. No caso o cinema através de deslumbres sobre um possível mundo em que todos poderiam consumir e incorporar até mesmo os personagens interpretados por estes artistas, literalmente. Em alguns momentos até mesmo essa visão extrema e pessimista do futuro não parece ser tão distante assim, pois já ocorrem fenômenos do tipo no mínimo peculiares. Seres humanos estão interpretando NPCs (personagens não jogáveis), por sua vez, NPCs estão interagindo cada vez mais com características humanas em jogos, enquanto, ao mesmo tempo, empresas (Worldcoin) já estão escaneando os olhos das pessoas com o intuito de diferenciar humanos de robôs. Em que ponto isso vai parar? Faremos testes como replicantes em Bladerunner (1982)? Quanto de máquina estará no humano e ao mesmo tempo quanto de humano estará nas máquinas? Talvez numa próxima reflexão possamos discutir essa ideia. Até que ponto neoliberalismo busca mecanizar a sociedade?
Por hora, caso tenha interesse em luta de classes e mais-valia, indico os seguintes filmes:
** Acabou de ser lançado no Netflix o filme chamado Paraíso (2023), de origem alemã, o que talvez incomode um pouco a língua, mesmo assim vale assistir. Você vai gostar desse filme se você tem interesse por ficção científica, sobre futuros próximos, crítica ao capitalismo e uma pegada ética, mesmo que superficial. Nessa trama pessoas ricas podem rejuvenescer e aumentar o seu tempo de vida através de uma espécie de transplante do tempo de vida de outra pessoa, geralmente pessoas pobres.
Melhor assistir o trailer:
Paraíso (2023)
** “Preciso investir o meu dinheiro em comida hoje, para que eu possa sobreviver amanhã”, algo nesse sentido passou a ser uma crítica àqueles coaches que te ensinam a enriquecer nas redes sociais. O Preço do Amanhã fala disso. Você precisa trabalhar para ficar vivo mais algum tempo, literalmente. No mesmo sentido do filme anterior, o tempo passa a ser a moeda de troca na sociedade. Não há caminho para um futuro próspero, tudo não passa de sobrevivência, até que alguém com muito tempo entrega ao personagem principal o que valeria milhares de anos em tempo de vida. A possibilidade de revolução passa a ser um horizonte.
Assista o trailer abaixo:
O Preço do Amanhã (2011)
Referências:
https://jovemnerd.com.br/nerdbunker/estudios-imagem-de-atores-sem-pagar-diz-sag/