“A Droga da Obediência”

Quem foi adolescente nos anos 80/90, possivelmente foi leitor da série “Os Karas”, de Pedro Bandeira.
Pedro criou uma série de livros em que cinco adolescentes, cada um com suas qualidades especiais e que secretamente, investigavam crimes. São eles: Miguel, o líder, Crânio, o gênio, Calú, o ator, Chumbinho, o mais novinho e Magri, a multiatleta e única menina do grupo dos Karas.

Nesse primeiro livro, o grupo investiga secretamente a perigosa quadrilha que criou uma sinistra droga para tornar os garotos inteligentes e saudáveis, em robôs obedientes. O grupo, que aparece em outros cinco livros, comunica-se entre si através de código secretos e, não raro, os leitores acabam se apropriando dos códigos para a própria comunicação. Há algumas reviravoltas durante a trama, afinal, trata-se de uma aventura investigativa e o enredo prende o jovem leitor do início ao fim.

“A Droga da Obediência”, lançado em 1984 pela Editora Moderna, dá inicio a uma saga literária inesquecível e vale ressaltar que, Pedro escreveu seus livros em um tempo em que não havia todo o aparato tecnológico que temos hoje: microcomputadores ultramodernos e dispositivos cada vez menores, capazes de armazenar um número de informações cada vez maior e ainda assim, ou talvez até por isso mesmo, o premiado e badalado escritor – atualmente com 80 anos – é o responsável pela formação de muitos leitores em todo o Brasil, influenciando gerações de meninos e meninas.

Por que ler?
Porque a obra é bastante conhecida entre o público jovem.
Porque Pedro Bandeira conseguiu criar e manter um clima de mistério e investigação em todas as obras da Série “Os Karas”.
Porque apesar de “antiga”, a obra continua instigante e atual.
Porque o autor é o responsável pela formação de mais de uma geração de leitores e leitoras.
Porque mesmo depois de quase 40 anos, a obra foi o livro mais vendido no Estante Virtual, em Março de 2022.

Se você já leu, desejo que tenha vontade de revisitar esse corajoso e secreto grupo. Se ainda não leu, desejo que não perca tempo e procure a obra em breve.
Tenho certeza de que você vai se divertir e se apaixonar por essa aventura. Em tempo: as outras obras em que “Os Karas” protagonizam a trama são: “Pântano de Sangue”, “O Anjo da Morte” “A Droga do Amor”, “Droga de Americana” e “A Droga da Amizade” e o escritor é super acessível em suas redes sociais sobretudo no Instagram @eusoupedrobandeira

Desejo que a leitura toque sua consciência e seja uma grande aventura!

Muito além dos games: como os jogos podem aprimorar o ensino e o sentido da história


Ao começar a jogar o game Assassin’s Creed Syndicate você logo se deparará com a seguinte frase: “Inspirado em eventos e personagens históricos, esse trabalho de ficção foi concebido, desenvolvido e produzido por uma equipe multicultural, de várias crenças, orientações sexuais e identidades de gênero”. 

Após, verá efeitos visuais que representam o tema histórico do game, algo posterior ao contexto da Revolução Industrial. Cenários com fábricas, a cinzenta Londres e trilhos de trem passam a ser o horizonte do ambiente jogável.  Personagens como Alexander Graham Bell, Charles Darwin, Dickens e Karl Marx cruzarão o seu caminho nessa história. Reflexões sobre o contexto histórico, preocupações sociais ou econômicas aparecerão entre missões para retomar os bairros de Londres e claro, muito parkour, mas também monólogos como esse a seguir: 

“Senhores! Este chá foi trazido até a mim da Índia por um navio, depois levado do porto até a fábrica, onde foi embalado e transportado por uma carruagem até a minha porta, desembalado na despensa e trazido até aqui em cima para mim […] Eles vão trabalhar em suas fábricas do mesmo modo que seus filhos também trabalharão”. 

Quais aspectos da história do século XIX poderiam ser analisados em interações desse tipo? Questões geopolíticas? Por quais razões o chá é trazido da Índia? Logística e princípios da globalização? Questões de classe, trabalho e renda e suas interconexões? Como entender as motivações dessas interações no jogo, ou melhor, como esses games são construídos? O que o jogo mostra, omite, destaca, como os mapas foram modificados ou cenários e suas razões podem levar o estudante a questionamentos e a um aprofundamento sobre determinada conjuntura histórica. 

Entretanto, devemos lembrar, Assassin’s é uma ficção inspirada em eventos ou personagens históricos, não parece ser de fato “história”.  Para muitos historiadores o estudo da história deve se ater aos fatos ou dados extraídos de forma literal de fontes históricas do mesmo modo em que os pesquisadores do século XIX o faziam. Porém, compreender a história deixou de ser análise de dados há algum tempo e passou a ser a construção de uma consciência histórica relacionada ao tempo presente. São as memórias coletivas do presente que ordenam o nosso passado. 

O historiador estadunidense Hayden White diria o seguinte sobre a relação entre ficção, narrativa e história:

“É possível produzir um discurso imaginário sobre acontecimentos reais que pode não ser menos “verdadeiro” por ser imaginário”.

Narrativas e representações do passado mesmo que ficcionais podem formar o nosso imaginário sobre o passado, para o bem ou para o mal. Por exemplo, games que retratam conflitos militares podem moldar identidades nacionais através de mobilizações de sentimentos e empatia com personagens e tramas de determinadas nacionalidades. Compreender como o imaginário ou a ficção é construída também é compreender a realidade histórica do seu tempo. Por sua vez, ao caminhar por esse processo é possível tanto para o professor de história quanto para o estudante elaborar mecanismos de um estudo crítico sobre temas históricos.  

Beyond Gaming: How Assassin’s Creed Expanded for Learning –
Games for Change 2018

As simulações digitais já têm um tempo, também passaram a se preocupar com um caráter pedagógico, educacional e com um objetivo de construção de uma narrativa histórica através de pesquisas acadêmicas. A Ubisoft aproveitou o sucesso da série Assassin´s Creed e criou expansões com caráter educacional sobre a história da Grécia, do Egito e do período Viking. A mesma empresa em parceria com a TV francesa criou um documentário interativo chamado Lady Sapiens: Breaking Paleolithic Stereotypes, que retrata o período paleolítico através de novos vestígios arqueológicos que mudam a visão sobre o papel da mulher na pré-história. Com base no jogo Farcry – Primal e por meio da realidade virtual, o expectador pode tomar decisões e aprender ao interagir com o documentário. 

Lady Sapiens: Breaking Paleolithic Stereotypes

Quais vantagens essa mídia poderia trazer para aprendermos sobre história? Shaneila Saeed, diretora da escola Digital Schoolhouse em Londres, usaria duas expressões para definir a especificidade da potencialidade educacional nos games: empatia e envolvimento. Obviamente, a conexão desses fatores através da interação. Ou seja, é a partir da participação do estudante na história através de um meio prático e o sentimento de empatia que a cognição histórica e a imaginação sobre um contexto ou conjuntura podem ser catalisados. Muito mais do que dados, datas ou nomes a serem memorizados, mas sim a compreensão de uma conjuntura histórica através do envolvimento com os personagens e o enredo das narrativas históricas, mesmo quando ficcionais. 

Ancestors: The Humankind Odyssey – Launch
Gameplay Trailer

Em Ancestors: the Humankind Odyssey, produzido pela Panache Digital Games e jogável na maioria das plataformas, você tomará o controle de um avatar, um símio ancestral do homo sapiens há cerca de 10 milhões de anos atrás, em algum lugar na África. Com base em pesquisas recentes sobre a evolução de nossa espécie o jogador poderá criar a sua linhagem e enfrentar os desafios da sobrevivência.  A imersão do jogador ocorre através de experiências que incluem descobertas de alimentos, de ferramentas, lógica, evolução dos sentidos, metabolismo, comunicação ou trabalho em equipe. Detalhe para as possibilidades de caminhos diferentes de evolução, trazendo visões críticas para a compreensão de aspectos biológicos e sociais da humanidade. 

“A hierarquia dos sentidos com a dominação e a hipertrofia da vista é um resultado do processo de civilização”.
Christoph Wulff

Tal qual a nossa evolução como espécie, os nossos sentidos de captação do que é real, também foram modificando ao longo do tempo. Estamos em um novo processo de modificação de sentidos, agora em direção à imersão e a uma convergência de mídias que expandem o ato de experienciar o mundo, especialmente as simulações digitais. No campo do ensino da história, imaginar, experenciar e sentir outros tempos podem ser caminhos para uma nova forma de pensar a história, de viver a história, de aprender e ensinar a história. 

“Elis e Eu: 11 anos, 6 meses e 19 dias com minha mãe”

“São as águas de Março/Fechando o verão…”, assim diz a música “Águas de Março” que o compositor Antônio Carlos Jobim, gravou com Elis Regina em 1974, embora ele já houvesse gravado sozinho sua composição em 1972.
Se estivesse viva, a gaúcha Elis Regina de Carvalho Costa, completaria 77 anos. Por isso, resolvi indicar “Elis e Eu: 11 anos, 6 meses e 19 dias com minha mãe”, de autoria de seu filho mais velho João Marcello Bôscoli.
A biografia, ou livro de memórias, foi lançado em 2019 pela Editora Planeta e é uma biografia um tanto diferente das costumeiras, pois conta a história de Elis Regina sob a ótica de seu filho mais velho que tinha apenas 11 anos quando a mãe faleceu em janeiro de 1982. O livro de apenas 200 páginas, conta com emocionante prefácio de Rita Lee e, além dos textos do filho, nos traz algumas fotos do arquivo pessoal da artista (todas em P/B) além de trechos do seu diário.
Infelizmente, não conheci Elis Regina, pois ela faleceu no ano em que eu completaria um ano, mas de certo modo, como todo brasileiro e boa parte do mundo, conheci Elis Regina através dos muitos vídeos que assisti e músicas que ouvi.
Elis, dividia opiniões, mas uma coisa é certa: ninguém era indiferente à artista. Minha mãe gosta muito, assim como eu, meu pai detestava. Dizia que ela “cantava gritado” ou que cantava “como um gato miando”.
Eu particularmente, gosto muito do seu timbre de voz e de muitas das músicas que ela gravou. Apesar de ser excelente intérprete (na opinião desta leitora), Elis Regina não compunha músicas. No entanto na opinião de muitos críticos e amigos, cantava “como se as músicas fossem suas”.

Por que ler o livro?

Porque Elis Regina foi uma grande artista brasileira e é ainda hoje, reverenciada no mundo todo.
Porque “Elis e Eu…”, traz um comovente relato da relação da artista com o filho, na chamada “vida real”.
Porque o prefácio de Rita Lee é emocionante.
Porque as imagens no livro são lindas

Não sei se você é do “time da minha mãe”, que é fã de Elis ou do “time do meu pai” que não gostava de sua interpretação ímpar, mas estou certa de que não será indiferente a esse livro.
Sugiro que você dê uma chance a esse breve livro de memórias ainda em 2022, no ano em que sua morte completa 40 anos. Vale uma observação: Elis Regina, morreu vítima de overdose aos 36 anos, ou seja, seu aniversário de morte, já conta mais anos que seu tempo de vida e se, apesar disso, Elis continua celebrada no mundo todo, é porque algo de especial acontecia ali.
Desejo que a leitura toque seu coração, assim como tocou o meu!