Macacos, NFTs e Renascimento

O historiador Georges Didi-Huberman afirma que a arte como entendemos hoje foi inventada em um período histórico que conhecemos como Renascimento Cultural. Foi através de uma redefinição de valores e contraposição de experiências que nós passamos a recriar, revalorizar e refazer a arte.
É nesse período de transição entre o medievo e a idade moderna, que valores vistos como modelos haviam de se transformar. Os artistas passaram a assinar as suas pinturas, bustos, estátuas de modo a identificar aquele objeto consigo mesmo, tanto em sua experiência artística ao produzi-lo, quanto em seu valor material ao vendê-lo, especialmente por ser uma produção única. As obras de arte então passaram a simbolizar os valores individuais dos tempos que estavam por vir.

“O homem, que também é um pequeno mundo, contém em si mesmo todas as perfeições gerais encontradas pelo mundo inteiro”
Marcos Vitrúvio Polião

É através dessa conexão entre o indivíduo, valores individualistas e esse espelho entre o natural, o mundo e o próprio humano que a arte europeia foi fundada. Mas o que torna a arte única, especial ou atemporal? O que de fato valoriza a arte em termos também materiais?

Quando visitei o MALBA (Museu de Arte Latino-americana de Buenos Aires) e observei a nossa Abaporu, de Tarsila de Amaral, eu confesso que não consegui apreciar as formas ou a técnica investida por Tarsila, talvez apenas o que aquela fonte histórica simbolizava ao nosso país. Uma expressão de um tempo histórico, de uma busca por identidade nacional, de uma negação de valores vistos como eruditos e europeus, mas sobretudo um reflexo de um tempo e da busca por uma cultura original e brasileira. Como medir o valor de uma fonte histórica dessas?

Esses questionamentos me fizeram buscar os motivos da valorização de produções artísticas e por quais razões algumas delas também percorreram o caminho contrário ao serem só valorizadas após a morte de seu autor, como o clássico caso de Vincent van Gogh, por exemplo. Mas como comparar produtos em primeira vista de estética tão simples como as NFTs (non-fungible tokens) com as chamadas artes “tradicionais”? Aliás, o que são esses produtos vendidos como arte e o que de fato significa essa expressão?

O primeiro ponto para essa compreensão é percebermos que os chamados “tokens não fungíveis” (NFTs) servem para tornar uma determinada obra digital única. Como um código ou um contrato certificando que aquela produção é singular, tal qual os renascentistas faziam ao assinar as suas obras. Ou seja, mesmo que existam milhares de cópias online de uma determinada imagem, a NFT específica daquela imagem terá uma identificação e possivelmente um proprietário. Por exemplo, existem várias cópias da obra chamada Noite Estrelada (1889) de van Gogh, porém a original é única e está exposta no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA). Portanto a raridade do produto, a individualidade da propriedade, o interesse de colecionadores ou investidores e a exclusividade de expô-lo o torna ainda mais valorizado.

Bored Ape Yacht Club (BAYC) é uma das séries mais famosas criadas recentemente e vendida a vários colecionadores e famosos como Neymar, Justin Bieber ou Eminem. Só Neymar gastou 1,1 milhões de dólares em dois desses ativos. A coleção tem 10 mil macacos entediados que passaram a valer cerca de 1 bilhão de dólares e apenas um deles foi vendido em Londres, numa casa de leilões tradicional por cerca de 3,4 milhões de dólares, tal qual quaisquer outras obras artísticas vendidas no mesmo espaço.

É possível observar que as NFTs têm servido também como símbolo de status ou de exclusividade. Os mecenas no período da renascença tinham o mesmo objetivo, destaque, individualidade, status e por essa razão patrocinavam seus artistas. Os valores sociais ainda são os mesmos, as formas são diferentes.
No lugar de uma pintura rara, um Bored Ape no perfil da rede social e a clareza de que ele pertence a você. Será que outras formas de sociabilidade e valorização do indivíduo podem também ser transferidas para o mundo online? Quais outras simulações podem se materializar no mundo imaterial? Essas experiências têm esclarecido que o valor das coisas, não são as coisas e sim o imaginário no qual aquele objeto ou produto foi construído. Em alguns momentos realmente valem a história de um país, em outros apenas um status momentâneo ou um investimento especulativo.

“As Cores do Coração”

Comprei “As Cores do Coração”, da paulistana Dani Assis, por indicação do canal “Livros e Fuxicos”, mas não comecei a ler de imediato porque, como de costume, havia uma lista relativamente grande de títulos a serem lidos antes, mas quando li, quase o fiz de um fôlego só. 

Esse foi um daqueles livros que a gente começa a ler devagar para que não acabe logo (não sei se você também tem dessas coisas, eu tenho!). O livro editado pela Harlequin, em 2020, utiliza-se de 304 páginas para narrar a surpreendente história de Vittorio e Antonella.

O surpreendente fica por conta da temática, que eu nunca havia encontrado em outra trama. Em “As Cores do Coração”, Vittorio é um jovem artista plástico que nasceu com uma doença congênita no coração e, já tendo passado por vários procedimentos e fazendo uso de muitas drogas, agora não tem outra opção que não um transplante.

Corta!

Antonella e Enrico são um jovem casal apaixonado que está junto há três anos. No dia do terceiro aniversário, Antonella descobre uma aliança na gaveta de Enrico e não é difícil supor que ele vai pedi-la em casamento. Ela, finge não saber de nada. Os dois saem de moto para tomar café da manhã em algum lugar e sofrem um acidente. Antonella fica ferida e Enrico sofre morte cerebral…e a família opta pela doação dos órgãos.

Corta!

Antonella não se conforma com a perda do namorado e por indicação passa a frequentar um grupo de apoio. Em seguida passa a trabalhar como voluntaria nesse grupo. E posteriormente passa a trabalhar como contratada pela Instituição.

Corta!

Vittorio passa a ter sonhos “estranhos” após o transplante e por recomendação medica passa a frequentar um grupo de apoio, no qual conhece Antonella.

Por que ler?

Porque se trata de uma deliciosa obra da literatura brasileira atual. Porque Dani Assis conseguiu escrever uma obra que é ao mesmo tempo clichê e surpreendente (há várias reviravoltas na trama). Porque a obra trata de um tema pouco abordado pela literatura (eu pelo menos, nunca havia lido nada sobre transplante de órgãos). Porque a autora fez uma pesquisa sobre memória celular e o tema também é tratado no livro.

Porque a linguagem do texto é fluida e a leitura é rápida. Porque além da questão do transplante, outros temas relevantes são tratados na obra. Porque a capa é linda!!!!! Desejo que você também tenha curiosidade, como eu tive e que a história cative o seu coração como cativou o meu desde o início.

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