“O Avesso da Pele”

Adquiri “O Avesso da Pele” de autoria do carioca radicado em Porto Alegre, Jeferson Tenório, porque sua obra foi vencedora do Prêmio Jabuti 2021, em sua
categoria e este é o principal prêmio da Literatura Brasileira. Também porque acompanho pelo Instagram as postagens da Professora Doutora Sueli Cagneti e certo dia assisti a um vídeo seu, não apenas indicando a obra como fazendo a leitura de um trecho da mesma. Fui tocada pela leitura da professora e por saber da importância do Prêmio Jabuti.
Fui até a livraria A Página, e comprei, sem nem ler a orelha ou quarta capa. Aliás, uma curiosidade a meu respeito: minha irmã costuma dizer que ninguém pode comprar livros escolhendo como eu escolho, lendo um trecho aleatório do mesmo. Hoje, eu acompanho vários canais no YouTube e Instragram, mas antes disso foi assim que selecionei muitas das minhas leituras. Bom, voltando a “O Avesso da Pele”, a obra publicada pela Companhia das Letras em 2020, narra a história de Pedro, que após a morte do pai, professor negro brutalmente assassinado pela polícia, passa a resgatar seus passos, recontando sua história.

O livro fala de racismo velado e explícito, mas seria simplista demais rotulá-lo dessa forma. A obra aborda, para além das relações étnicas, relações de poder em uma sociedade caótica e alienada. É de uma delicadeza e ao mesmo tempo de uma brutalidade ímpar, o que me fez ficar presa à trama de forma a sentir os poros, os pelos e o avesso da minha própria pele. Talvez a identificação tenha vindo do fato de ser eu também uma professora que em alguns momentos já me peguei questionando uma série de (in)certezas. Talvez por, apesar de caucasiana e ter certeza de que jamais compreenderei o que é sofrer racismo, tenho buscado cada vez mais uma pratica antirracista em minha vida. Talvez porque a trama seja bem escrita, a ponto de me fazer querer ler outras obras do autor. Talvez por tudo
isso junto. Só sei que a obra não tem um Prêmio Jabuti à toa. A discussão, apesar de antiga, parece continuar cada vez mais necessária.

Por que ler?
Porque o autor consegue ser delicado e “áspero” em sua abordagem.
Porque a obra trata de temas que urgem por discussão e solução em nossa sociedade. Porque a leitura é forte, mas ao mesmo tempo, rápida (a obra conta com apenas 192 páginas). Porque trata-se de literatura brasileira de excelente qualidade.
Porque trata-se de um escritor negro.
Porque é uma obra premiada.

Espero que “O Avesso da Pele”, que eu indicaria para o público adulto, também toque sua pele e o seu coração.
Boa leitura!

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Metaverso: simulações do real ou apenas mais uma camada de ilusão?

O termo “metaverso” surge no contexto da literatura cyberpunk na virada da década de 1980 para 1990, especialmente na obra de Neal Stephenson chamada “Snow Crash”. Nessa história um entregador de pizza coabita em mundos paralelos, entre a sua realidade simples e cotidiana e a ficção em um mundo virtual onde incorpora a personalidade de um samurai. Nessa mesma perspectiva o filme “Calmaria” lançado recentemente e estrelado por Matthew McConaughey, narra a história de um pescador que no decorrer da trama percebe que faz parte de um jogo programado a partir dos anseios, frustrações, traumas e experiências de uma criança no computador de seu quarto. No mesmo estilo de “O Show de Truman”, estrelado por Jim Carrey, o real e a ficção convivem, confundem o espectador e na verdade refletem as experiências e sociabilidades do nosso mundo.

Wake up, Neo…

Apesar das críticas de Jean Baudrillard, o filme Matrix (1999) teve também como inspiração a obra “Simulacros e Simulação” de 1981, ao ponto de homenagear o autor em uma das primeiras cenas do filme quando Neo recolhe alguns discos do seu trabalho como hacker. Por meio de uma trama mais próxima do mito da caverna de Platão, as irmãs Wachowski buscaram também criar um metaverso através de um mundo real controlado pelas máquinas e um mundo fictício em que os humanos estariam hibernados através de simulações e softwares com o intuito de extrair a energia desses corpos dormentes. Mesmo que de forma binária, Matrix buscou explicitar a alienação das massas através da analogia do capitalismo e o controle das grandes corporações pelo meio das propagandas, do consumo e do próprio entretenimento. Como diria Baudrillard em uma entrevista sobre o filme:

“’Matrix’ é certamente o tipo de filme sobre a matriz que a matriz teria sido capaz de produzir”

Talvez essa reflexão tenha se aproximado mais do último filme “The Matrix Resurrections”, pois no próprio roteiro é perceptível uma crítica à película ao destacar que o filme poderia ter sido produzido pela própria Matrix, só que agora em forma de um jogo eletrônico. É com base em um game dentro da Matrix que Neo acaba por perder a consciência do real e passa a ser o criador desse produto de entretenimento em que no sentido final busca alienar mesmo aqueles que pareciam ter sido libertos.

Mas afinal o que a ficção tem a ver com o real? Ou o real tem a ver com a ficção?

Para o sociólogo Jean Baudrillard a nossa experiência de vida está imersa por símbolos transmitidos através da mídia e que faz com que os produtos tenham sentido em ser consumidos. A tecnologia, a cultura, a mídia e o consumo produzem imaginários sobre o real ao ponto de transformá-lo em algo híbrido e difuso entre o que é fidedigno e o que é imaginado sobre a realidade. Tal vivência no fim faz com que percamos a percepção sobre a diferença do que é simulado e do que é real.

No mesmo sentido o metaverso parece ser mais uma camada do que já vivíamos, afinal games como Decentraland ou The Sandbox, simulam interações humanas, customização dos usuários, construção e compra de terrenos virtuais, colecionáveis ou NFTs com moedas virtuais e que só adquirem valor real através de uma construção de símbolos e sinais, tal qual no mundo físico. Gigantes como a Nike já compram empresas como a RTFKT, uma fabricante de tênis virtual, a Adidas já investe na construção do seu espaço no The Sandbox, a Microsoft anunciou avatares 3D para reuniões no Teams e até mesmo shows como do músico Travis Scott já ocorrem e alcançam milhões de espectadores. Isto pode significar que o metaverso também repete o modelo de criação de sentido e constructos em produtos consumíveis, mesmo que sem valores físicos, agora dentro do um mundo online.

Portanto a possibilidade de produção de renda por grandes empresas e por pessoas comuns também atrairá consumidores que buscam uma vivência paralela à sua experiência e, por sua vez, uma camada mais profunda de entretenimento ou mesmo alienação ainda que agora de forma literal. O que nos faz refletir até que ponto essas simulações podem impactar o real. De que forma essas simulações nos deixarão mais imersos na sociedade de consumo? Quais fantasias e ilusões serão criadas nessas simulações? Quais aspectos psicológicos esse universo usará como estímulo e forma de atração de usuários? Será possível em algumas décadas passarmos mais tempo no mundo “simulado” do que no “real” e por consequência hibernados tal qual na metáfora de Matrix? Ou isso já ocorre sem mesmo percebermos através da mídia?

Imagem capturada no game Decentraland.
Fonte: https://decentraland.org/