Todos conhecem a máxima de George Orwell em 1984:
“Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado.”
Mas afinal o que isso significa? É possível perceber e materializar essa reflexão em ficções como as de Gibson em Neuromancer ou mesmo na HQ Arcanjo?
O futuro distópico de 1984 criado por George Orwell na década de 1940 reflete um controle por parte de um estado totalitário, o qual vigia, censura e induz os indivíduos a pensar de modo uniforme. Essa trama do controle do pensar ou do imaginário coletivo é recorrente em narrativas que buscam refletir sobre tempos históricos diferentes, especialmente em ficções científicas futuristas. Em alguns momentos essas histórias refletem desigualdades do presente como no filme Elysiun (2013) do diretor Neill Blomkamp, estrelado por Matt Damon. Em outros, buscam em forma de reflexão explicitar um processo de construção de uma consciência histórica através de analogias ou metáforas filosóficas.
Como assim?
Se você conhece o seu passado, você tem uma ideia do seu presente e, por consequência o caminho que quer seguir, certo? E se alterássemos o seu passado, isso mudaria o seu caminho?
William Gibson é considerado, ao lado de Bruce Sterling e John Shirley, um dos fundadores do gênero cyberpunk, um universo futurista, tecnologicamente avançado, crítico e pessimista em relação às nossas expectativas de futuro. Retrata ambientes de uma sociedade falida, personagens com implantes cibernéticos e a possibilidade de entrar na matrix, ou melhor, no ciberespaço, termo cunhado por Gibson e reproduzido em inúmeras outras produções, inclusive acadêmicas. Seu livro de estreia denominado Neuromancer, publicado em 1984, na mesma década do filme Blade Runner, além de vencer a tríplice coroa da ficção científica, influenciou o filme Matrix de 1999 ao relacionar os dois mundos, o “real” e o “virtual”, também o game Cyberpunk 2077 lançado em 2020 ao retratar a estética neon das cidades orientais, os aparatos cibernéticos ou as consciências dentro do ciberespaço.
Esses ambientes dão vazão para reflexões sobre o tempo histórico ao saltarmos para o futuro, sobre a consciência humana ao entrarmos na matrix e a própria compreensão do nosso tempo presente ao nos distanciarmos através de metáforas ou analogias futuristas. No filme Matrix, no game Cyberpunk 2077 e em Neuromancer, por exemplo, podemos perceber uma crítica ao sistema capitalista do presente, apesar de ser uma história sobre o futuro. Como dizia Saramago:
“É preciso sair da ilha para ver a ilha”.
Na HQ Arcanjo a construção do tempo histórico é usada como ponto de partida para um mundo destruído pela guerra nuclear e com tecnologia para viajar no tempo e reconstruir novos futuros possíveis. É através de uma máquina chamada Splitter que lideranças políticas americanas viajam no tempo para reordenar o passado de modo a controlar de forma ainda mais restrita o presente. Duas missões então são enviadas para o contexto da Segunda Guerra em 1945, uma liderada por forças políticas em busca de mais poder e outra de resistência que busca impedir que o futuro ainda possa piorar. Trajes tecnológicos, linhas do tempo paralelas, conspiração, militarismo, espionagem e o contexto da Segunda Guerra, relacionam um roteiro cinematográfico no decorrer de cinco volumes com uma crítica sobre o controle das elites, a destruição do planeta e o poder que envolve inclusive, reconstruir o passado e controlar o futuro.
Será possível reordenar o nosso imaginário sobre o passado? Através de que meios o passado é contado? Se caso o passado for manipulado, quem o manipulou? Quem é beneficiado? Quais direções estamos tomando se nosso passado é volátil?
O mais instigante da ficção científica, são as perguntas e questionamentos que ela deixa na leitura sobre o nosso próprio mundo. Recomendo a leitura da HQ Arcanjo e do livro Neuromancer, para que você leitor, traga aqui as suas próprias reflexões sobre história, tempo e quadrinhos.