Como nascem os artistas?

A pergunta nos inspirou a contar a história de Davi Natã de Oliveira Cunha que tem 17 anos e conquistou a atenção e o carinho de todos através de uma vakinha solidária, criada por sua professora de palhaçaria Bia Alvarez.

A intenção da professora era ajudar o garoto a comprar um notebook, para que ele pudesse  acompanhar as aulas e fazer tarefas da escola durante a pandemia. Em menos de dois dias de campanha, a arrecadação já havia ultrapassado a meta dos R$2.000.00 reais, chegando aos R$3.415,00 arrecadados ao todo.

O estudante, que é morador do bairro Itinga no município de Araquari/SC, e tem como hobby andar de skate nas horas vagas, além de praticar palhaçaria. Sua mãe,  Delair Campos de Oliveira trabalha como empregada doméstica  e tem encontrado dificuldades para conseguir emprego na atual situação do país, por isso Davi também vai aproveitar sua nova ferramenta de estudos para buscar uma colocação no mercado de trabalho.

Demonstrando humildade e sinceridade, Davi conquistou as pessoas com seu texto, publicado no site vakinha.com.br, Acredito que com um computador em casa além de estudar melhor vou conseguir fazer apresentações artisticas online, fazer alguns outros trabalhos à distância, ajudar a divulgar o trabalho da minha mãe, ajudando a melhorar a clientela dela e eu ganhando mais alguma renda podendo trabalhar menos na construção civil.”

Sempre com muita desenvoltura e comunicativo, o interesse pela arte desperta muito cedo, com a participação em teatros, desfiles, e eventos realizados pela comunidade ou pela escola. Hoje e ele conta para nós um pouco da sua trajetória e o sonho de viver de arte como palhaço Dandam.

Trabalho voluntário como palhaço Dandam

AC: Como você começou a se interessar por arte? Já havia feito aulas de teatro, circo ou algo parecido na infância?

DAVI: Quando eu era criança gostava de aparecer em palcos, amava estar em trabalhos de rua. Lembro-me de uma festa junina em que desfilei, dancei e participei de um teatro. Sempre amei receber os aplausos da plateia, me sentia muito feliz com isso tudo. O tempo foi passando e continuei interessado por teatro, em 2019 dirigi o grupo de teatro da escola, a Escola de Educação Municipal Senador Luiz Henrique da Silveira. Certa vez um amigo me chamou para fazer oficina de Clown, então pensei, porque não?! Foi ali que em 2017 conheci o mundo da palhaçaria. Quando coloquei o nariz vermelho me senti diferente, um diferente muito bom! Penso seriamente em levar a arte como ofício.

AC: Sua família te apoia na escolha e vontade de ser artista?

DAVI: Minha mãe sempre me apoiou, já meu pai biológico eu acho que ele nem sabe que me apresento como palhaço. Mas o resto da minha família  apoia essa ideia, eles me apoiam nos meus trabalhos voluntários, porem não sei se eles me apoiariam como exercendo arte como profissão. É incrível porque ninguém da minha família é envolvida com arte.

AC: Porque você acredita que sua família não te apoiaria se levasse a arte como profissão?

DAVI: Acho que eles querem que eu tenha um diploma e seja formado em alguma outra profissão. Acho que eles me apoiam apenas fazendo meus trabalhos voluntários. Minha mãe me apoia em tudo que eu faço, o restante da família não tenho certeza.

AC: Você disse que pratica trabalho voluntário, é como palhaço? O que você faz?

DAVI: Participo do Grupo Semeadores. Nós somos um grupo que sai pelo Brasil para falar de Jesus e não de igreja e religião. Nesses projetos, levamos cama elástica, palco, um ônibus que leva o grupo e que também tem um palco. Foi nesse grupo que que eu acabei me soltando, descobrindo “meu palhaço”, foi ali que eu conheci os mestres que me apresentaram a palhaçaria há quatro anos atrás. Com o Semeadores, acabo conhecendo regiões muito necessitadas, levamos cestas básicas, roupas, ajuda com doação de móveis.

É lá que eu faço apresentações como o palhaço Dandam para as crianças, a noite também faço apresentações para os adultos, ajudo na organização do ônibus, montar tenda e etc. O grupo todo se ajuda, todos nós temos uma função.

AC: Se você tivesse a chance de conhecer pessoalmente um grande artista ou mestre da palhaçaria, qual seria? Tem alguém que te inspira?

DAVI: Meu artista preferido é o Charlie Chaplin, ou o palhaço grapixo, do Luca Tuã. O palhaço dele é skatista, e como amo andar de skate, ele me inspira muito.

AC: Alguns dias atrás sua professora Bia Alvarez, lançou uma campanha de financiamento coletivo na intenção de te ajudar a comprar um notebook para auxiliar nos estudos. Como você encarou esse ato e qual foi sua reação ao alcançar e ultrapassar rapidamente a meta solicitada?

DAVI: Sobre a vakinha online, minha reação foi de surpresa, pois foi muito rápido! Conseguimos mais do que o valor proposto, fiquei muito feliz.  Agora estou colocando todas as tarefas da escola em dia, sem contar que posso ajudar minha mãe a conseguir novas propostas de emprego. Agradeço imensamente a cada pessoa que doou e me proporcionou estudar com mais qualidade, contribuindo para que eu não desistisse da escola. 

Quem tiver interesse ou puder dar oportunidade de emprego ao Davi ou sua mãe, entrar em contato através do whats:
(47) 99695-3165 ou contato@artenacuca.com.br

O artista prestador de serviços num contexto pandêmico

Foto: Walmer Bittencourt Júnior.
Exposição: “A Partilha da Imagem” (2017). Artista: TiroTTi.

A revista Select publicou em 22/05/20 o artigo “O iminente colapso do setor cultural”, onde aponta que […] mais de 50% dos profissionais mapeados têm renda inferior a 3 salários mínimos, alto grau de informalidade e dependem majoritariamente das atividades exercidas no setor cultural para sobreviver.
Fato extremamente preocupante, pois após a publicação do artigo, quase três meses já se passaram e poucas foram as mudanças.

Os trabalhadores da cultura dependem quase que inteiramente da presença do público para garantir suas rendas e assim produzir seus shows, espetáculos, exposições e etc. Prestadores de serviços que têm as artes como profissão necessitam dos espaços culturais em pleno funcionamento para viver. Produtores Culturais, Artistas, Artesãos, Cenógrafos, Diretores, Atores, Músicos, Bailarinos, Coreógrafos, Arte-Educadores, entre tantos outros, fazem parte da enorme gama de profissionais afetados pela pandemia.

 Em um estado de normalidade, dificuldades como cortes de verbas, redução do quadro de funcionários, falta de manutenção dos espaços culturais e etc, já são por si só um enorme problema. Agora, além de enfrentarmos as adversidades habituais, a síndrome respiratória aguda, Covid -19 trouxe novos desafios que implicam diretamente no modo de produzir e apresentar cultura.

 Muitos artistas estão enfrentando a crise econômica do país empreendendo (obrigatoriamente) em novas áreas, e a aposta está quase sempre relacionada ao ramo alimentício, afinal, o confinamento deixou à população mais estressada e ansiosa, logo, a comida tornou-se moeda de troca para saber lidar com o momento. A informalidade da profissão faz com que o artista tenha pressa e se submeta a buscar novos postos de trabalho, pouco remunerados mas que garantem sua subsistência.  

A lei nº 14017 de 30 de junho de 2020, Lei Emergencial da Cultura Aldir Blanc, mesmo tardia e com recurso abaixo do esperado, vem como um sopro de vida para os trabalhadores, que aguardam ansiosamente pelo auxílio para poder retomar ou reorganizar seus projetos. Mas a quantia que provém do governo federal não garante a salvação da cultura, funcionando muito mais como medida paliativa do que como uma medida de proteção financeira que de fato protege e auxilia os artistas até a retomada de seus trabalhos.

Incerteza é a palavra da vez para quem precisa descobrir como recomeçar. Não há jeito certo ou errado, até agora o que temos são possibilidades. Tentativa e erro. Certamente muito do que conhecemos em matéria de eventos culturais que contam com a presença do público, deverá passar por um processo de readequação, com diversos protocolos e medidas protetivas que garantam a segurança de todos.

Os questionamentos que ficam são: como o artista está encarando essas novas condições de trabalho? De que forma acontecerá a relação da arte com o público em um contexto pós – pandemia? Será preciso repensar o conceito de aura na obra de arte? Ou então, como se dará a experiência estética do “ao vivo” se nossa segurança continuar dependendo do distanciamento social? As respostas dependem da ciência e do comportamento humano.

Arte para lidar com a vida

Passei os últimos dias pensando a respeito no que escrever e até ontem, não tinha ideia sobre o que. Penso que a dificuldade em si não estava em encontrar um assunto, mas sim em encontrar algo que valha à pena, que venha de dentro para fora, sabe?
Tantos assuntos sobre arte que antes me pareciam pertinentes, hoje não passam de mais um tema que pode esperar. Decidi então, dar ouvido aos sinais, prestar atenção no que acontece à minha volta, dia após dia, semana após semana. E o que isso tem a ver com arte? Pois bem, vamos lá!


O fato é que os últimos meses têm sido muito complicados, e essa virada de mês, em especial o dia 30/07/20, parecia ser só mais um dia (mas nunca é só mais um dia em nossas vidas, eis o maior erro de todos). Nesta data, recebo via redes sociais, a notícia da partida terrena de Heloísa Steffens, artista e também professora da Escola de Artes Fritz Alt, na Casa da Cultura Fausto Rocha Júnior.

Um choque. Grande perda.

Nos últimos dois meses a arte na cidade está mais triste. Muitas têm sido nossas perdas. No mês de junho a diretora artística do Instituto Internacional Juarez Machado, Melina Mosimann também nos deixou. Mulheres notáveis, que sempre foram fonte de inspiração para mim. Lutadoras, generosas e dispostas a tentar fazer do mundo um lugar melhor através da arte.

 Mas esse texto não é para falar sobre tristeza e o quanto o ano de 2020 tem testado as minhas forças e a de muitos que conheço. É um texto reflexivo, com o intuito de agradecer e tomar como exemplo de resiliência e fé, essas duas personalidades da arte joinvilense,.

Quem decide trabalhar com arte, aprende logo cedo que para conseguir viver dela é preciso resiliência e fé. Mesmo os que conseguem chegar a certos níveis de reconhecimento profissional, tem que estar sempre antenado, seja com o mercado, o público ou até mesmo com as catástrofes do momento, afinal, desgraça vende.

Mesmo assim, com arte, conseguimos viver a incerteza do dia a dia, do trabalho ou da falta dele, da descrença que a sociedade tem na profissão Artista, sempre com um sorriso no rosto. O sorriso não significa que sejamos alienados ou que nos falte entendimento sobre os problemas do mundo, ao contrário, às vezes somos quem melhor enxerga-os.

Falar da tristeza com beleza e ternura é nossa especialidade. Emocionar e ao mesmo tempo acalentar a alma do público? Tarefa para poucos! Transmitir por meio de versos, danças e acordes, ou sorriso a alegria de viver, é ser apaixonado pela vida com todos os seus percalços sem nunca desistir de acreditar.

Tenho certeza que a passagem intensa pela vida e em meio à arte, eternizou Heloísa e Melina em nossos corações, e como dizia o poeta Manoel de Barros Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.”