O Carnaval joinvilense e a falta de investimento em cultura

Quando comecei a pensar sobre um texto de opinião a respeito do carnaval joinvilense, a primeira intenção foi procurar quem faz a festa acontecer, ou seja, organizadores, produtores culturais e grupos carnavalescos, além do desejo de despertar algumas boas memórias em quem sempre gostou de participar da folia.

Entretanto, para realizar a pesquisa era preciso entrar em contato com produtores ou pessoas que se destacam quando o assunto é carnaval em Joinville. Começo minha busca contatando alguns nomes, na esperança de que ao menos um deles contribuísse com falas e curiosidades, no que diz respeito à criação do(s) grupo(s) carnavalesco(s), preparação, organização do evento, e principalmente a pergunta de meu maior interesse: o que o carnaval representa para você?

Infelizmente ou felizmente, consegui contatar alguns produtores, integrante de escola de samba e até um pesquisador da área, porém todas as então “personalidades”, não sabiam ou não estavam dispostas para conversar naquele momento. E foi de conversa em conversa, que todos me encaminhavam a outro e outro e mais outro contato, sempre sem disponibilidade para responder com clareza minhas perguntas.

Após algumas tentativas, frustrada e com o carnaval da cidade batendo na porta, decidi abordar o tema em outra oportunidade. Mas que surpresa a minha, quando no dia seguinte, ao ler um dos jornais local, soube que a primeira noite (22/02) de apresentação e celebração de uma das manifestações culturais mais esperadas no Brasil, termina não com alegria e sentimento de dever cumprido, mas sim em pancadaria, bombas de efeito moral e tiros disparados pela polícia.

Falta de organização da festa? Despreparo da polícia? Uma fatalidade? Lugar certo, pessoas erradas? Acredito que os fatos ainda serão apurados, porém o prejuízo sempre vai ser da população. Triste mesmo é saber que não foi apenas um caso isolado, no segundo dia de comemoração (23), durante a apresentação do grupo de maracatu Morro do Ouro, na Rua das Palmeiras, centro de Joinville, presenciei a outra confusão, que foi motivo para pânico e correria. A acusação de que uma mulher havia roubado um grupo de foliões, causou o estopim da briga. Desta vez sem policiamento, puxões de cabelo, empurrões, socos, chutes e garrafas quebradas assustaram quem se divertia.

O clima era de indignação, muitos gritavam “BRIGA NÃO”, mas o resultado foi outra noite marcada pela brutalidade humana.
São esses episódios – não muito diferentes do que acontece em outros carnavais de rua pelo país afora – é que me fazem refletir sobre como estamos sedentos de cultura, seja no centro ou na periferia.

É preciso com urgência, sensibilizar as pessoas, ampliar o acesso às artes, à educação e passo a passo, ir construindo por meio dessas ferramentas, o pensamento crítico para uma cultura de paz. O que presenciamos ou a notícia que chegou até nós por meio dos jornais e comentários, é apenas o reflexo do quanto o país e o município vem sofrendo com o abandono, descaso e falta de respeito quando o assunto é cultura.

Quem vive da disseminação do sensível, precisa cada vez mais, buscar outras opções de trabalho que não o exercício da sua arte para poder sobreviver. A classe artística está desmotivada e cansada de viver só de esmolas. Cortes de verbas e um emaranhado de procedimentos burocráticos emperra a produção cultural, dificultando a participação e contemplação de projetos via leis de incentivos.

O desmonte, desmoronamento e fechamento de espaços culturais como a Cidadela Cultural Antarctica, só contribui com a violação dos nossos direitos garantidos pela constituição art. 125 “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.

Com apenas mais um dos tantos direitos da população negligenciados, não saber festejar com responsabilidade e empatia é só a ponta do iceberg. O investimento precário por parte do governo, em arte e cultura influencia no que faz do humano, SER humano. Garantir o exercício dos direitos culturais não se trata apenas da produção de eventos ou vivências artísticas que contemplem apenas quem pode pagar por eles.

Boas peças de teatro, exposições, concertos, leituras entre outras possibilidades, e principalmente excelentes mediadores, podem contribuir no processo de desenvolvimento social, moral e ético da população, visto que, sem a emoção, experiência, encantamento, afeto e contaminação pela arte, não há sociedade que resista ao caos e a própria destruição.

O encontro da arte com a educação

Com curadoria pedagógica do Museu Bispo do Rosário (RJ) a mostra “O Grande Veleiro”, que está em exposição no Sesc Joinville até 27 de março, surpreende ao reorganizar a dinâmica das curadorias tradicionais, evidenciando o educativo que quase sempre, aparece em segundo plano no sistema da arte. Neste projeto a aposta está nos recursos pedagógicos, que recebem a condição de obras de arte, legitimadas pelo espaço expositivo.

É na experiência e interação do público, que o projeto curatorial faz todo sentido, sugerindo por meio de vídeos, imagens e objetos, novas conexões com a biografia e o trabalho do artista. Em destaque estão os jogos educativos como “A caixa dos escolhidos”, bordados e objetos propositalmente posicionados, que contribuem para a criação da atmosfera que nos aproxima do universo de Arthur Bispo do Rosário.

Intenção da curadoria ou não, as discussões presentes na mostra estão mais relacionadas a biografia do artista e a um conjunto de obras, do que aos conteúdos conceituais relacionados à elas. Mas “O Grande Veleiro” merece destaque pelas soluções interativas e convidativas que atraem leigos e iniciados, organizando um espaço democrático em que não é preciso ter conhecimentos prévios para poder aproveitar e aprender sobre arte, o mais importante é sentir e desfrutar da sua proximidade com a vida.

Aldeia Tekoa Tarumã: Resistência, força e Luta

“Dizem que os tempos da escravidão já acabaram, mas para o indígena continua o mesmo.”
Cacique Ademilson Moreira

Foto: Walmer Bitencourt Júnio. Na foto: Sr. Luiz (Rede Luz), Celiane Neitsch (Arte na Cuca), Cacique Ademilson e moradores da aldeia. Entrevista realizada em 2019 – antes da Pandemia Covid 19.

As margens da BR 101, adentrando por um caminho estreito e sem chamar muita atenção, no final de 2019 à equipe do Arte na Cuca, em conjunto com a fraternidade humanitária Rede Luz, visitou a aldeia indígena Guarani, Tekoa Tarumã, localizada na cidade de Araquari/SC. Ao todo 11 famílias habitam a região, lideradas pelo Cacique Ademilson Moreira, que de fala mansa e agradável nos recebe na casa de reza, local sagrado para a cultura Guaraní.
A impressão foi de que lá, a vida passa mais devagar, e de que existe o tempo certo para cada coisa. O tempo de falar, de ouvir, de orar e também o tempo de esperar. Algo quase inimaginável no mundo ansioso e doente em que nos submetemos a viver, do qual já nos alertava Zigmunt Bauman.

Durante mais de uma hora de conversa, o Cacique falou a nossa equipe sobre os problemas enfrentados pela comunidade, os estigmas sociais com os quais são obrigados a conviver e a luta constantemente para preservar suas terras e cultura. Mas a vida na aldeia não é feita apenas de dificuldades e sim de muita alegria, tradições, valores e conquistas, como a nova sede da escola, construída para facilitar o acesso das crianças e jovens aos estudos.

Arte na Cuca: Como a comunidade indígena se estabeleceu na região que hoje é a aldeia Tekoa Tarumã?

Ademilson: Eu sou natural do Rio Grande do Sul, e estou em Santa Catarina há mais de quinze anos. Quando cheguei nessa região com a minha família, a aldeia já existia, outras famílias já estavam aqui, isso é algo de muitas gerações. Nossa família está aqui há aproximadamente seis anos, porque é da nossa cultura mesmo, o povo Guarani se muda, as vezes porque em certos lugares já não havia mais a possibilidade de plantio, pois o solo precisa descansar e se recuperar. Algum tempo depois de chegar aqui, tive outros filhos e estou há aproximadamente dois anos exercendo o papel de liderança. Nesse período estamos construindo algumas estruturas necessárias para a aldeia, como a implantação da escola e outros meios para irmos sobrevivendo.

Arte na Cuca: Você falou a respeito de sobrevivência, atualmente qual é o principal meio de sustento da comunidade?

Ademilson: Nós temos quatro funcionários contratados pelo Estado, que tem o cargo de professor e lecionam para a própria comunidade da aldeia, mas infelizmente a maior parte de nós sobrevive de doações. E outra fonte de arrecadação de renda é o nosso coral, composto por crianças que se apresentam em escolas públicas e universidades, além de outros eventos, em troca de alimentos. Por último temos a venda de artesanatos.

Arte na Cuca: Em um momento em que o país é governado por lideranças que deixam claro a falta ou nenhuma preocupação em preservar as terras indígenas, disseminando ainda mais o preconceito e o ódio, quando menciona que “Cada vez mais o índio é um ser humano igual a nós”, quais são as maiores dificuldades enfrentadas por vocês como ancestrais dos legítimos habitantes do Brasil?

Ademilson: Não só hoje, mas desde muito tempo como povos indígenas, nós estamos sofrendo grandes dificuldades e muitas ameaças. Vivemos em estado constante de alerta e resistência, desde a época do descobrimento e da invasão dos não – indígenas.
A nossa cultura sempre foi ameaçada, inclusive nossa própria existência, então, nos tempos atuais, não faz diferença, pois continuamos vivendo esse mesmo processo de extermínio.
Nesse cenário, já aumentou a potência de sermos exterminados, somos atacados em forma de lei, com preconceitos, vivemos com muita dificuldade, principalmente por conta do processo de demarcação das terras indígenas.

Meses atrás nossa aldeia foi ameaçada, recebemos constantes ameaças até mesmo de morte, por conta da demarcação. Nossos direitos, previstos na constituição não estão sendo respeitados nem executados, vivemos um processo de invisibilidade social e na visão do governo, nos simplesmente não existimos. Essa é a pior coisa que pode nos acontecer. Nós somos seres humanos, temos a nossa cultura, língua, espiritualidade, mas mesmo assim não somos notados. Sobrevivemos no meio do fogo cruzado, pois o maior alvo está sempre em quem ocupa a liderança.

Arte na Cuca: Em um futuro próximo, como você deseja que as pessoas possam enxergar e entender a cultura indígena?

Ademilson: Sempre, desde a criação do mundo, nós sempre fomos seres humanos. Eu gostaria muito que a sociedade em geral nos enxergasse como seres humanos normais, como qualquer outra pessoa. Nós temos uma cultura diferenciada é claro, mas o sangue que corre nas veias de cada um de nós é o mesmo. Sempre tivemos capacidade, condições e possibilidades assim como os não-indígenas, de frequentar a universidade e exercer cargos de instituições renomadas. Não somos diferentes das outras pessoas.
Sonho com o dia em que a sociedade em geral, aprenda a nos enxergar como pessoas, sem preconceitos, mesmo que não conheçam ou não queiram conhecer a nossa cultura. Que apenas respeitem o nosso direito de também existir. Não é preciso acreditar em tudo o que nós acreditamos, mas o mínimo que pedimos e buscamos é o respeito.

Arte na Cuca: Durante nossa conversa, você menciona alguns grupos que chegam à aldeia para visitas de estudos, ainda com o pensamento retrógrado, e entendem o indígena como aquele ser que vive isolado no meio da floresta, ou aqueles que de alguma forma não chegam com boas intenções. Como é essa situação para vocês e de que forma gostariam de ser reconhecidos quando o assunto é a pesquisa da cultura indígena?

Ademilson: A sociedade não-indígena precisa aprender a identificar que tribo indígena vive em determinada região, pois existem vários povos e várias etnias. Nós somos da etnia Guaraní, e sempre habitamos o litoral brasileiro e na maioria das vezes, quando escutamos assuntos que tratam de uma etnia, nos tratam apenas como “índios”, não sabem se é Kaingang, Xokleng, Guaraní, ou outros. Sendo que somos muitos e cada etnia tem sua cultura e forma de conviver. Para nós, o mais interessante seria que as escolas e demais instituições obtivessem informações mais detalhadas e tentassem de alguma forma identificar quem são os povos indígenas, em que situações são distribuídos, quais as etnias existentes.

Arte na Cuca: Ao passar pelos grandes centros das cidades, é possível perceber mulheres indígenas vendendo seus artesanatos em calçadas. Muitas chegam até a serem confundida com moradoras de ruas, e que estão na situação de pedir esmolas. Como é para vocês este não-lugar na sociedade?

Ademilson: É normal essa definição social, pois nós indígenas estamos nessa estatística de exclusão, assim como os moradores de rua. E é com essas condições que nós somos invisibilizados, realmente excluídos. Mas, eles não sabem que nós somos um povo diferente, somos indígenas, temos nossos valores, crenças e culturas. Estamos apenas comercializando nossos produtos, e o que as pessoas não observam é que quando um artesão indígena está ali vendendo suas produções ele está trabalhando. É triste termos que passar por isso, pois buscávamos nosso sustento na mata, com a destruição da natureza, precisamos partir para a mata de pedra, que são as cidades e então mendigar. Isso nos deixa profundamente tristes.

Arte na Cuca: Cacique, percebemos algumas construções na região da aldeia, vamos falar sobre os projetos que estão em andamento? Quais são eles e como as pessoas podem colaborar?

Ademilson: Estamos construindo a Casa das Mulheres, que é uma iniciativa em apoio com a Rede Luz, instituição que tem sido um grande braço direito da aldeia. É um espaço específico para o atendimento das mulheres e suas atividades, o projeto está no início, mas a comunidade e as mulheres da aldeia estão muito envolvidas no andamento da construção.
Também temos a extensão da escola estadual, que apesar de estar passando por um processo burocrático, estamos conseguindo trazê-la, sendo que a sala foi construída pela própria comunidade com materiais cedidos por parceiros. Temos aproximadamente 20 alunos, divididos em ensino fundamental, EJA Médio e o Pró-Jovem.

Quem quiser conhecer ou ajudar os projetos da aldeia Tekoa Tarumã, pode entrar em contato com Luiz, da ONG Rede Luz, através do número (47) 9 9923-4219.