Projeto leva música clássica para crianças no Jardim Paraíso

A ONG “Missão Criança”, mantida pela Igreja Luterana no bairro Jardim Paraíso, iniciou suas atividades em 1998, depois de uma grande enchente enfrentada pelos moradores, e a partir de então, integrantes da congregação luterana começaram a realizar pequenas ações sociais com adultos e crianças, percebeu-se então que a necessidade maior estava nas crianças, e algo que começou há 20 anos, atualmente atende 150 crianças de 06 a 17 anos. Nas atividades que acontecem em horário oposto ao da escola, e incluem apoio pedagógico, esporte e música, as crianças aprendem através da convivência, brincadeiras e programas desenvolvidos dentro da instituição que busca fortalecer os vínculos familiares e comunitários por meio de diálogos, reuniões de pais e momentos culturais.

Em meio a tantas atividades, destacamos a mais recente conquista da ONG, a arte-educação por meio da música clássica, que conta com a participação e apoio do maestro Rafael Huch, proponente do projeto aprovado pelo Ministério da Cultura através da Lei Rouanet, que mediante aprovação de projeto, autoriza a captação de recursos junto às empresas e pessoas físicas, para realização das propostas.

As aulas de violino, ministradas pelo professor Renan Corrêa, e as de violão e canto coral, pela professora Vivian Vass Tavares além de apresentar às crianças o que para muitas delas é seu primeiro contato com a música clássica, que ali também é um instrumento de transformação social, como aponta à coordenadora Eunice Deckmann: “A grande maioria das crianças, depois que saem da escola, ficam ociosos o que se torna um “prato cheio” para as más influências. Quando conhecemos o Maestro Rafael e o interesse dele pelas crianças e toda a experiência e competência na elaboração de projetos, logo surgiu a ideia de unirmos forças para tentarmos transformar vidas por meio da música e quem sabe até mesmo descobrir novos talentos”.

O próximo passo é ofertar aos alunos aulas de flauta, e manter os professores por mais 12 meses, mas para isso é necessário que a captação atinja 100% dos recursos aprovados, no total de R$133 mil reais. Porém, até o momento, o percentual alcançado foi apenas de 30%, ou seja, mais da metade dos recursos não conseguiram ser captados. Isso é algo que Eunice acredita estar relacionado com a falta de esclarecimento a respeito do funcionamento da Lei Rouanet, que prevê formas de financiamento para eventos culturais e a maior parte dos recursos vem do que é chamado de mecenato, em que pessoas físicas ou jurídicas podem ser patrocinadoras dos projetos aprovados pelo Ministério da Cultura. O valor é deduzido do imposto de renda, pessoa física pode chegar até 6% do IR, e jurídica o limite são 4%.

O prazo máximo para realizar a captação dos 70% faltantes, vai até 30 de dezembro de 2018, e o intuito das aulas de música no “Missão Criança”, é que através das aulas, seja formada uma orquestra infanto-juvenil para enaltecer e, estimular o sentimento de pertencimento entre os moradores do Jardim Paraíso. As primeiras apresentações dos pequenos músicos já estão agendadas.

 

“É tão mal falado o nosso bairro, é tão judiado por todo mundo… e não é assim. O bairro não é um problema, algumas pessoas são. É um bairro muito bom.”

Eunice B. Deckmann

Para quem deseja mais informações, os contatos da ONG “Missão Criança”, são:

E-mail: pmcparaiso@gmail.com
Contato: (47) 3903-1827 ou (47) 9657-8131

Os vários mundos de Roseli Ritzmann

Roseli Ritzmann é artista visual, graduada em História pela Universidade da Região de Joinville – Univille, também possui formação em história da arte e cerâmica pela Casa da Cultura Fausto Rocha Júnior. Desenvolve trabalhos artísticos em diversas linguagens como pintura, desenho, colagem, gravura, instalação, livro de artista, entre outros. Inquieta e pesquisadora, está sempre se dedicando a aprender e aperfeiçoar sua técnica e pesquisas relacionadas as artes visuais, mas o que muitos não sabem, é que ela ainda encontra tempo para produzir e se dedicar a outra paixão: Os fantoches de bonecos.

A artista conta que começou a produzir seus primeiros fantoches a quatro anos atrás, inspirada na condição intelectual de seus alunos, quando ainda trabalhava em uma instituição educacional da cidade. “Trabalhei com inclusão de deficientes intelectuais, e os fantoches de material reciclado das oficinas de arteterapia sempre renderam boas histórias nas mãos deles. Então percebi que seria algo muito interessante e importante direcionar minha criatividade na elaboração de fantoches.”

Sua produção foi sendo aperfeiçoada aos poucos, das primeiras peças feitas com material reciclado, passou para os fantoches de feltro e logo depois para os de espuma, que tem aproximadamente 40 cm e que inicialmente eram tingidos com tinta spray ou acrílica. A colagem das partes era feita com cola de silicone, mas em suas pesquisas, Roseli descobriu que o ideal é a cola de sapateiro. A estrutura dos fantoches de espuma é sempre a mesma, o que vai mudar e torna-los únicos e especiais é a caracterização que ela dá para cada um. É como se cada um deles fosse seu “filho único”, sempre um detalhe especial, algo diferente que só aquele fantoche terá, por mais que todos se pareçam, sempre haverá uma marca de nascença escondida em algum lugar.

Todas as mudanças, pesquisas e aperfeiçoamentos, fizeram com que seus fantoches se tornassem cada vez mais resistentes, visualmente interessantes e lúdicos. Atualmente a artista conta com dois ateliês em sua casa, um para as artes e outro para os fantoches, que agora podem ser de bonecos, sapos, palhaços, bichinhos e outros seres frutos da imaginação daquela que lhes trás ao mundo.

No ano de 2014, os fantoches já faziam parte de sua vida tanto quanto a arte, e Ritzmann decide sair da sala de aula, para transformar a atividade em negócio. Abre a empresa Popilu, que além dos fantoches, desenvolve jogos didáticos e brinquedos educativos. Todos os produtos são confeccionados e vendidos em seu ateliê e também nas feiras em que participa. “Os fantoches de feltro costumam ser adquiridos para as crianças, já os fantoches de espuma (40cm) é um produto bastante procurado pelos professores e principalmente por educadores de igrejas”

Os fantoches podem ser um excelente recurso lúdico e pedagógico, para pais, psicólogos, educadores, professores e artistas quando se trata de tentar transmitir uma mensagem, além de auxiliar no desenvolvimento da expressividade, atenção, trabalho em equipe, coordenação entre outros benefícios. O teatro em si, mas especificamente os de fantoches, podem ser trabalhados com todas as idades, pois não exigem muitos movimentos do corpo, beneficiando crianças, jovens, adultos e idosos. É preciso apenas deixar a imaginação fluir e assim como Roseli, ter sensibilidade para perceber que são das necessidades e das adversidades de nossas vidas, que surgem os caminhos e as oportunidades, e a partir daí é só ir lapidando os diamantes.  Roseli Ritzmann é exemplo de artista que expande sua pesquisa, produção e conhecimentos para outros campos e não se dá por satisfeita, adquirir um dos produtos da Popilu é mais que comprar um brinquedo, ou um fantoche qualquer, é levar uma obra de arte para casa.

Fotos: Walmer Bittencourt Junior e Celiane Neitsch

Exposição de Rosi Costa traduz o feminino em paisagens

A artista visual Rosi Costa inaugura a exposição Durante o trajeto no Garten Shopping de Joinville no dia 13 de setembro, quinta-feira. A mostra pode ser vistada gratuitamente até o dia 17 de outubro e reúne onze telas com pinturas que representam a subida do Morro do Boa Vista em direção ao mirante.

Conhecida por suas pinturas de orientação figurativa, mas também por trabalhos de abordagem contemporânea com objetos, performances e instalações, a produção artística de Rosi Costa costuma propor reflexões a respeito do universo feminino e leituras críticas sobre o papel da mulher na sociedade. A ênfase em paisagens dada pela exposição Durante o trajeto é uma versão livre dessa mesma temática, inspirada por Winnie, personagem parcialmente enterrada na peça de teatro Dias felizes, escrita por Samuel Beckett. Das onze telas apresentadas no Garten, dez compõem cinco duplas que se aproximam formalmente com pinceladas, tonalidades e texturas semelhantes.

Além de artista filiada à Associação de Artistas Plásticos de Joinville (AAPLAJ), Rosi Costa é professora de pintura, de desenho e de técnicas sobre tela. Graduada em Pedagogia e em Artes Visuais, tem pós-graduação em Metodologia do Ensino da Arte e atua desde 2001 no processo de orientação de trabalhos em arte no seu ateliê em Joinville. Suas primeiras participações em exposições coletivas datam de 2012, embora a artista também tenha feito pequenas mostras individuais em espaços não oficiais.

Por e-mail, a artista falou ao ARTE NA CUCA sobre seus temas, sobre sua trajetória e sobre a sua motivação para montar a exposição Durante o trajeto.

Foto: Gleber Pieniz

Durante o trajeto é tua primeira exposição individual. Por que escolheste este grupo de trabalhos para expor e uma sala de shopping center para fazer a tua estreia?

Embora nos últimos anos eu esteja participando de muitas exposições coletivas, há uns anos atrás já fiz exposições individuais na cidade: Câmara de Vereadores, shoppings, biblioteca pública municipal, Faculdade Cenecista de Joinville e Detran. Joinville carece de espaços para exposições e a AAPLAJ em parceria com o Garten Shopping vem valorizando e abrindo esse espaço para que os artistas da cidade tenham a oportunidade de apresentar suas produções. Penso que esse apoio à classe artística merece o retorno dos artistas, levar a arte para espaços públicos e apresentar à sociedade a arte que se produz aqui.

Tua poética ja é conhecida pelas formas figurativas, pelo tema da mulher e pela leitura crítica do universo feminino. Como estas paisagens dialogam com a tua produção habitual? Como esta exposição se encaixa na exploração da tua temática, no desenvolvimento da tua pesquisa?

Inspirada na peça de teatro Dias felizes de Samuel Beckett, onde uma mulher fica presa em um morro, comecei a fazer esse diálogo com minha poética pensando nas montanhas que impedem as mulheres de buscarem serem felizes. No final do ano passado realizei na subida do morro do mirante uma intervenção artística com interação das pessoas que circulavam ali. Como esse espaço me transmite uma meditação ativa e uma reflexão sobre a minha pesquisa, representei essas subidas, curvas e sensações em pinceladas, cores, luz e formas.

Foto: Gleber Pieniz

A pintura é tua forma expressiva mais familiar, embora você tenha se destacado em exposições coletivas com trabalhos híbridos de abordagem contemporânea. Como se dá esse trânsito entre um e outro enfoque na tua arte?

Gosto de me expressar em muitas linguagens. O universo feminino e as reflexões em torno dele me fazem ora querer me expressar de uma forma, ora de outra forma, fluindo de uma para outra abordagem sem conflitos, porque a base poética é sempre a mesma.

Ainda que representem um mesmo lugar e um mesmo ponto de vista, as telas desta exposição se agrupam em pequenos conjuntos que diferem entre si na forma, na cor e no gesto. Como isso acontece na tua pintura?

É interessante que quando se sobe o morro do Boa Vista em direção ao mirante, cada curva surpreende de maneira nova. Na verdade são vários pontos de vista, a próxima curva é diferente da anterior, e essa percepção está representada nas pinturas a partir de pinceladas e cores diferentes. Sou muito intuitiva e ágil no processo e no gesto pictórico, é uma característica pessoal e essa característica fez com eu tivesse que me conter e repensar. Quando me dedicava à pintura dessa série, pintava duas telas de cada vez e esse resultado se percebe claramente observando o conjunto dos trabalhos. Procurava dar esse tempo e me dedicar a outros processos da minha produção e depois retornar para conseguir essa expressividade.

DIA: 13 de setembro
HORÁRIO: 20 horas
VISITAÇÃO: até 17 de outubro, de domingo a domingo, das 10 às 22 horas
CUSTO: entrada gratuita
LOCALIZAÇÃO: Garten Shopping – av. Rolf Wiest, 333, no Bom Retiro, em Joinville

Somaa lança seu primeiro álbum nas redes e em formato físico

O mundo quer te enganar é o primeiro álbum completo da banda Somaa e já pode ser acessado através de plataformas virtuais como Spotify, Deezer, Apple Music/iTunes, Amazon Music e Google Play. Lançado pela Monstro Discos também em formato físico com tiragem restrita, o CD do grupo formado por Rafael Zimath (voz e guitarra), Nedilo Xavier (baixo) e Tiago Pereira (bateria) marca o ponto mais alto de uma discografia composta por alguns singles e videoclipes, um DVD (Ao vivo para ninguém), três EPs (Primeiro, Colisão & outras histórias ordinárias e Pequenos poderes) e um CD compartilhado com a banda Sylverdale (Clube da distorção e quebradeira, vol. II).

O disco é o primeiro registro cheio na carreira do Somaa e surge como o resultado de uma pré-produção atenciosa, de um período de gravação em São Paulo e de um lançamento garantido, em grande parte, por uma campanha de financiamento coletivo. A composição das primeiras das onze canções que integram o álbum teve início em 2016 e se estendeu até o final de 2017, nas sessões imersivas gravadas por Gabriel Zander (que produziu Autoramas, Vivendo do Ócio e Menores Atos, entre outros artistas) no Estúdio Costella, em São Paulo. A partir de maio de 2018, o grupo joinvilense mobilizou apoiadores pelo Catarse e reuniu fundos para a finalização do disco que traz capa com a arte de Pedro Gonçalves. O mundo quer te enganar foi finalmente lançado para venda e audição via streaming nas plataformas virtuais no dia 17 de julho, seguido de uma prensagem limitada de CDs pelo mesmo selo Monstro Discos que, há vinte anos, lançava Blue beach monster, coletânea em vinil roxo de sete polegadas com as bandas Bendis, Skabide, E a Vaca Foi Pro Brejo e Butt Spencer (a primeira banda do guitarrista Zimath).

O mundo quer te enganar é um disco cheio de panoramas visuais, de construções roqueiras que emulam espaços, situações e ambientes sempre renovados a cada audição. A alternância de climas é tão grande quanto o número de colaborações de músicos convidados e constitui uma sonoridade áspera e concisa muitas vezes equilibrada por sutilezas de arranjos, timbres e andamentos mais sofisticados. Uma dessas modulações imagéticas mais empolgantes está justamente no miolo do disco, quando “Pressa, etc” acelera a máquina sônica do Somaa a níveis atmosféricos, alcança altura e velocidade de cruzeiro em “Profissão de urubu” e, depois, cai pesada, literalmente, em “Paraquedas – Para elefantes”, de onde sai rastejando, cautelosa, em “Meu querido lado esquerdo” para dar início a outro percurso sonoro-visual que se cumpre até o final do álbum.

Por e-mail, o guitarrista e vocalista Rafael Zimath e o baterista Tiago Pereira conversaram com o ARTE NA CUCA sobre o disco, sobre os detalhes de composição e gravação de O mundo quer te enganar e também sobre a cena cultural que o Somaa ajuda a construir e por onde faz sua música circular.

Como se deu o processo de composição e gravação de O mundo quer te enganar? Como funciona o Somaa por dentro quando se trata de construir a própria música?

Rafael Zimath: O Somaa surgiu em 2011 com o propósito de fazer música que fosse orgânica, não demasiadamente pensada e que pudesse ser amadurecida nos palcos, ao vivo. Assim, naquele momento, um álbum era a última das nossas prioridades. Em 2014 tive a oportunidade de trabalhar produzindo o segundo CD da banda Fevereiro da Silva e este trabalho reacendeu algo dentro de mim: me dei conta que eu sou um compositor de álbuns. Me encanta, como ouvinte, a maneira que um álbum pode apresentar uma experiência completa de um artista, o modo como as músicas podem se entrelaçar. Entendi que estou no meu melhor quando tenho esse input criativo, a tarefa de construir um painel completo. Então, depois de vencidos alguns projetos em andamento (o DVD Ao vivo para ninguém, outro EP), entrei em 2016 com esta meta do Somaa gravar o seu álbum – um disco que registrasse a nossa consolidada sonoridade e que também pudesse ser o melhor trabalho que conseguíssemos conceber. A primeira coisa que decidimos foi gravar em regime de imersão. Eu já sabia que algo acontece quando uma banda inteira se tranca em estúdio durante 12 ou 13 horas por dia e fica totalmente focada em gravar um disco. Todos participam, ideias fluem, há um melhor aproveitamento do esforço e, com sorte, aquele momento intangível de uma performance pode aparecer e ficar registrado para a eternidade em um pedaço de plástico ou qualquer outra plataforma virtual disponível. Também decidimos raspar as economias, apostar outro tanto do nosso próprio dinheiro e gravar em São Paulo, no estúdio Costella, com o Gabriel Zander. Eu conheço o Bil há mais de 20 anos e há pelo menos uns dez penso em gravar com o cara. Se demoramos este tempo todo para lançar um álbum, a gente queria que o troço todo ficasse foda. Então, tentamos gravar a banda ao vivo e sobrepomos detalhes posteriormente, algo que também não tínhamos feito. A gente queria uma gravação orgânica, na cara, com bastante ambiência ou espectro espacial. Posso dizer que acho que deu certo, sem soar muito bobão?

Tiago Pereira: Nós ficamos durante quase todo o ano passado nos encontrando semanalmente (às vezes até duas vezes por semana) pra arranjar e ensaiar as músicas do disco. O Rafael é a principal força criativa do Somaa. Quase tudo que tem nesse álbum em termos de harmonia, riffs e letra foi o Rafael que compôs e nos mostrou. Eu e o Ned contribuímos com detalhes de estrutura, dinâmicas e pouca coisa no texto. Tem bastante esforço de pré-produção no disco. Nós queríamos chegar no estúdio com as músicas tinindo. Valeu a pena o esforço.

Rafael Zimath: Eu escrevo uma quantidade razoável de música, semanalmente. Algumas letras também, mas em volume desproporcional ao que tenho de ideias musicais. Então, normalmente, eu levo o material para a banda, apresento e a gente monta os arranjos (Tiago ajuda muito com o texto, como fez em “Eu sou um terremoto” e “Desapego”). Este processo coletivo é fundamental porque a gente busca maneiras diferentes de representar/arranjar as composições que não sejam fáceis ou triviais, mas também sem nos alongarmos muito nisso. Neste aspecto, penso que o arranjo é algo que nos interessa muito, uma faceta da composição que pode oferecer caminhos muito diferentes do que a música inicialmente pode indicar. Quem tiver a oportunidade de ouvir as demos das músicas do disco, vai perceber que tem muita coisa que mudou ao longo do processo. Algumas canções tiveram cinco ou seis arranjos diferentes (ora arrastadas, ora diretas, etc).

Em que medida o novo trabalho se aproxima e em que medida ele se afasta dos discos que a banda lançou antes?

Tiago Pereira: Parece que ter ficado vários meses ensaiando e ouvindo as músicas enquanto elas foram sendo construídas contribuiu muito pra chegarmos às melhores versões possíveis. Nós pudemos fazer esse trabalho de depuração dos arranjos com bastante calma, ao contrário das gravações anteriores. Penso que temos belas músicas gravadas antes, mas é nesse álbum que está o melhor conjunto de canções que já fizemos. Outro diferencial do disco é que o Rafael está em seu melhor momento como intérprete das próprias músicas. A performance vocal dele cresceu muito.

Rafael Zimath: Em comparação com o que já gravamos antes, me parece que o aspecto central da sonoridade da banda está lá: o peso, os riffs, o gosto pelas harmonias não-ortodoxas, os arranjos acidentados entre bateria-baixo-guitarra, o lirismo ácido, reflexivo e existencialista. Os trabalhos anteriores também apresentavam estes elementos, afinal é quem somos como banda, como músicos. Isso não mudou. A grande diferença foi o processo de gravação, a imersão, o desejo de extrair o melhor resultado possível antes de gravar e enquanto gravávamos. Acho que outra diferença é também o fato de eu ter acionado o botão “Compor canções que formam um álbum”. Então, colaborei com músicas que, talvez, isoladamente, não tivessem sido criadas. Algumas foram escritas justamente para se contrapor àquelas já acumuladas em estoque para este álbum.

Que motivos ou temas (influências, referências, fatos…) interessam ao Somaa quando se trata de escrever letras e compor a parte instrumental das canções? De que modo esse conjunto de fatores também pode se transformar em uma ideia visual para a capa do disco e para os clipes?

Rafael Zimath: Quanto às letras, penso que o mundo como ele é ou como parece ser, interessa demais. A dinâmica das relações (interpessoais, sociais, etc), a interação com a tecnologia e seus múltiplos efeitos, as vidas de aparências, a comunicação, o papel da ciência, o desejo de encontrar a si mesmo nesta insanidade que é estar respirando o ar de 2018, no Brasil e neste planeta “Eu”. A vontade de ter uma vida abundante de arte, que não seja superficial, a busca pela reinvenção e a aceitação também de quem és, a manutenção das relações de verdade, a perseguição dos sonhos. Tento escrever sobre coisas diferentes ou de maneiras distintas, mas dizem que os autores/escritores acabam reproduzindo os mesmos dois ou três temas que os definem como artistas, então há, evidentemente, assuntos que voltam porque as coisas giram, mas às vezes param no mesmo lugar. Estes temas, esta maneira de ver as coisas, é o nosso ethos como artistas, então se relacionam diretamente a outras criações da banda como as artes, os vídeos, etc.

Tiago Pereira: O Rafael tem uma maneira muito peculiar de escrever. A poética dele carrega um certo ceticismo cortante, sem sentimentalismos e com uma certa agressividade. Eu nunca perguntei o que o motivou a escrever determinada música ou parte de música, mas suspeito que ele direcionou muitos versos a pessoas com as quais ele parece não ter tido boas experiências. Eu até brinquei que o disco poderia se chamar Música contra pessoas. Na parte instrumental essa agressividade comedida também aparece: há momentos de dissonância, distorção e ruídos, mas também há melodia e momentos mais solares. Creio que o Pedro, que fez a arte do CD, captou bem essa combinação (mas confesso que achei todo o projeto gráfico mais impactante e verborrágico do que a sonoridade do disco).

Na visão de vocês, como se estrutura o cenário rocker em 2018? Qual é o ambiente por onde a presença do Somaa circula?

Tiago Pereira: Eu percebo um aumento de eventos de música autoral em Joinville. Há o Quinta Independente (cinco edições até o fim do ano), o projeto Autorama (três edições ainda em 2018), a festa Autonom(a), shows periódicos no Garage, na Casa 97 e outros. É nesse circuito que pretendemos dar as caras periodicamente, além de tentarmos tocar ao menos nas principais cidades próximas e em algumas capitais (Curitiba, São Paulo). Não crio expectativas para além disso.

Rafael Zimath: Esta é, talvez, a pergunta mais difícil. Eu vejo que, desde sempre e como nunca, as cenas fortes (do metal, do rap, etc) são aquelas setorizadas. Na minha cabeça, o Somaa acaba sendo prejudicado por não estamos enquadrados dentro de um setor específico, nosso rock é um blend – diriam os gourmetizadores. Por outro lado, isso é um diferencial em um universo repleto de informação – na maioria, rasa. A cena em Joinville está bem movimentada, algumas casas abrindo espaços para a música autoral e a gente está dentro desta movimentação, mas ainda temos muitas perguntas para responder: como criar uma maneira eficiente de se comunicar? Como encontrar um canal eficiente para se comunicar com o público? Estamos tentando descobrir tudo isso. Você publica o cartaz do show no Facebook, mas quem não recebe a informação, não fica sabendo do evento e não vai.

Tiago, o teu trabalho como músico se espalha por bandas e projetos de diferentes sonoridades e propostas. Em que medida a música do Somaa se encaixa nesse panorama?

Tiago Pereira: O Somaa é a banda em que eu coloco minha identidade como baterista, minha assinatura. É onde eu posso criar à vontade, pensando em fazer arte mesmo. Isso me completa muito. Na maioria dos outros projetos não tenho essa mesma liberdade – nem caberia, creio. Não me vejo tocando apenas cover ou apenas gravando em estúdio pra outras bandas. O Somaa faz eu chegar muito próximo daquele desejo adolescente de ser músico e isso me faz muito bem.

Rafael, tua colaboração com a Monstro Discos já vem de longa data. Como você analisa o papel dos selos independentes no cenário de uma música que, quanto mais se massifica e se padroniza, menos se encontra encarnada nos formatos tradicionais?

Rafael Zimath: Pois é, na verdade essa parceria existe e não existe durante este tempo todo, já que se limita a um disco lançado em 1998 (com o Butt Spencer) e este último trabalho do Somaa, agora em 2018. Mas sempre continuei acompanhando os caras, curtindo os discos que lançam, mantendo contato eventual. Os selos continuam e continuarão existindo, apesar de terem perdido a força e o mercado. Então, as condições para lançar materiais por selos estão encolhendo ainda mais para as bandas e os artistas. Mas sempre haverá público que curte essa maluquice que é criar música nova, lançar álbuns – ou é só o meu lado otimista mandando o pessimista calar a boca.

Tiago, você desdobra a atuação do músico não só como artista, mas também como divulgador do circuito, ativista da cena, professor e promotor do trabalho de outros músicos. De que forma o lançamento de um disco apenas no formato virtual pode materializar esse trabalho e mapear lugares, ocupar canais, servir como conexão entre diferentes cenários?

Tiago Pereira: De fato, eu me esforço para contribuir com a “cena” da cidade. Desde que comecei a tocar eu ouço a lamúria de que “Joinville não tem nada”, que qualquer outra cidade é mais atraente e rica musicalmente. Enfim, isso pode ser parcialmente verdadeiro, mas eu não consigo me conformar pelo simples fato de que eu moro aqui e quero viver numa cidade com o máximo de produção musical possível. Reconheço que tenho uma queda por causas perdidas, já que os desafios pra se criar uma cena e um circuito por aqui são grandes. Mas eu sigo fazendo o que está ao alcance. E percebo avanços: existe uma infinidade de bandas compondo, músicos que só tocavam cover estão começando a divulgar seus trabalhos, casas que antes só tocavam cover (Didge, Porão da Liga, Bovary) já estão aceitando música independente, em alguns shows pode-se ver o público cantando as músicas das bandas e até em barzinhos já se pode ouvir cover de músicas de Joinville – o que é simbolicamente muito importante. Eu imagino ser possível criar um ambiente em que fazer música própria seja o caminho natural para os músicos e as bandas. Acredito ser possível construir esse ecossistema favorável à música independente, com lançamentos frequentes e de qualidade, com periodicidade de shows, atraindo artistas relevantes de outras cidades – o que leva à qualificação dos artistas daqui. Claro, tudo isso é a longo prazo. Nesse contexto, um lançamento em formato digital já pode ser considerado uma contribuição ao caldo, mas o Somaa também vai lançar o formato físico do álbum.

Rafael, tua música foi gravada e compartilhada em todas as últimas mídias contemporâneas (radiodifusão, fita cassete, vinil, CD, arquivo digital, streaming). Que tipo de sabedoria ou experiência essas mudanças todas te deram? Como essas tecnologias influenciam ou condicionam a tua música?

Rafael Zimath: O que aprendi é que existem vários caminhos para a música, cada qual com o seu pró/contra a se anunciar para cada perfil de ouvinte. A música pode trafegar em todos estes formatos que, de outro lado, não se excluem. Pessoalmente, me atraem os formatos que envolvem a interface física da música. Embora seja um usuário frequente do streaming (convenhamos, a coisa toda é muito prática e pode ser utilizada em regime 247), a experiência de “segurar” a música que ouço ainda é muito importante. O conteúdo musical não encerra, por si só, a experiência. Eu sou este dinossauro que recebe injeções de serotonina ao segurar um disco bacana enquanto o escuta. Analiso a capa, encarte, letras, por isso sempre me interessei pela concepção da arte dos nossos discos. Quanto a esse ponto, acho que sou um cara do velho testamento, então estas novas tecnologias não influenciam ou condicionam a maneira como a minha música é concebida. Para mim, canções continuam sendo canções: pego a guitarra e o violão e um velho caderno repleto de anotações, memórias, ideias ou sequer as uso. Depois que a coisa se torna pronta, aí tenho um problema que é pensar na plataforma para veicular este produto acabado.

Para encontrar o Somaa nas plataformas virtuais, acesse:

Spotify: https://spoti.fi/2mmhPuF
Deezer: http://bit.ly/2ur18Ty
Apple Music/iTunes: https://apple.co/2uI6xET
Amazon Music: https://amzn.to/2Ju4UjF
Google Play: http://bit.ly/2L6hag0
Homepage: http://www.somaarock.com.br/
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